Trilha de Tom Jobim para balé inédito feita há 60 anos tem releituras da bossa nova

(FOLHAPRESS) – A bailarina carioca Dalal Achcar guardou por mais de 60 anos uma partitura inédita de Tom Jobim. A obra, intitulada “Água de Meninos”, foi encomendada ao compositor para ser trilha de um de seus balés e veio à tona neste mês, pouco antes do aniversário de 30 anos de morte do músico.

A obra, orquestrada por Radamés Gnatalli na época, pode enfim ver a luz do dia no ano que vem.

Achcar é conhecida por ser uma das maiores coreógrafas brasileiras. Aos 87 anos, ela estreou neste sábado (11), na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, uma nova montagem para “Floresta Amazônica”, um balé inspirado na peça de Heitor Villa-Lobos, “A Floresta do Amazonas”, de 1958.

Achcar e Tom se conheceram durante a década de 1950, quando ela ainda era uma estudante de balé e ele ainda não tinha atingido o estrelato internacional por sua música. O compositor morava perto da companhia de bailarinos onde Achcar estudava.

“De vez em quando ele ia me procurar para usar o piano quando a gente não estava ensaiando, não estava tendo aula”, diz ela, em entrevista por telefone. “E aí vinham ele e Vinícius [de Moraes] compor. Nós éramos todos amigos.”

Os dois seguiram amigos apesar de terem trilhado carreiras diferentes –Tom no sucesso da bossa nova e Achcar se dedicando à companhia que fundou em 1956. A estimativa é que a trilha tenha sido feita por volta de 1960 ou 1961, na mesma época em que ele escrevia clássicos como “Garota de Ipanema” e “Corcovado”.

A coreógrafa voltava de uma viagem à Bahia e se inspirou por uma feira no bairro de Água dos Meninos, em Salvador. “Era uma feira com muita música, muita capoeira. Me deu essa ideia de fazer uma historinha que se passasse lá”, diz. Ela, então, pediu para que Jobim compusesse uma trilha para o balé, já imaginando uma coreografia estilizada com base de música folclórica brasileira.

Por falta de verba na ocasião, a obra nunca foi gravada ou encenada. “Agora, me voltou a ideia de trabalhar essa música que eu nunca cheguei a ouvir”, diz Achcar.

A composição tem cerca de 30 minutos, em um único ato, e costura capoeira, samba, baião, frevo, entre outros ritmos.

Apesar dos muitos trechos inéditos, trechos da trilha releem composições que já tinham sido lançadas por Tom. É o caso das melodias de “Eu Preciso de Você”, parceria de Jobim com Vinícius de Moraes, e “Bim Bom”, do primeiro disco de João Gilberto.

Outro trecho, mais tarde, virou a canção “Água de Beber”. ” Um belo dia o Vinícius, que era meu amigo também, me ligou e disse ‘Dalalzinha, estamos gravando um LP e está faltando uma faixa. Posso usar uma música da composição que o Tom fez pra você?'”, lembra a coreógrafa.

Achcar e Jobim chegaram a trabalhar juntos outra vez, em 1992, poucos anos antes da morte do compositor. Ela encomendou uma composição para o “Concert for Planet Earth”, parte da Conferência Internacional do Meio Ambiente Eco 92.

Jobim escreveu “Forever Green” especialmente para a ocasião e se apresentou no concerto, que foi transmitido pela BBC de Londres, junto a Gal Costa e ao Coro e Orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Para a coreógrafa, enfim realizar o balé e tirar “Água de Meninos” da gaveta é uma forma de homenagear o amigo, além de valorizar a cultura brasileira. “O Brasil não valoriza as suas coisas, temos que aprender a riqueza que temos de música, de dança, de manifestações populares”, afirma.

“Reviver o Tom, que foi quem popularizou a música brasileira no mundo inteiro, é uma forma de fazer essa nova geração se dar conta da riqueza dos artistas brasileiros que marcaram época.”