(FOLHAPRESS) – A expectativa de ONGs, governadores de estados da Amazônia e até mesmo da diplomacia brasileira nesta COP do Clima não está nos encontros internacionais, mas no aceno vindo de dentro de casa: a reorientação da política climática sob a presidência de Lula.
Com uma representação fragmentada, o país tem três pavilhões na COP: um oficial, outro das ONGs e um terceiro, inédito, formado pelos governadores da Consórcio da Amazônia Legal.
Embora apresentem ao mundo três Brasis, eles compartilham a expectativa de que o resgate da política climática pelo governo federal recupere a interlocução interna e externa na pauta do clima.
Lula deve comparecer à COP na segunda semana da conferência, que começou neste domingo (6) e vai até o dia 18. Para as organizações da sociedade civil, a oportunidade é de reinaugurar o diálogo com o governo federal.
Antes da gestão Bolsonaro, o país tinha um único pavilhão e distribuía credenciais para pesquisadores, ONGs e movimentos sociais participarem da conferência como parte da delegação oficial do país.
Outra prática abandonada pelo governo Bolsonaro foi a de manter reuniões com a sociedade civil, ao longo da COP, para prestar contas sobre o andamento das negociações e as possíveis consonâncias ou contradições com as políticas domésticas.
O Brazil Climate Hub foi criado pelas ONGs, sob coordenação do Instituto Clima e Sociedade, em resposta à ausência de pavilhão oficial do Brasil na primeira COP do governo Bolsonaro, que aconteceu em Madri em 2019.
Diferentemente das ONGs, a expectativa dos governadores reunidos no Consórcio da Amazônia Legal envolve a consolidação de um protagonismo conquistado justamente pela ausência do governo Bolsonaro na pauta climática.
Nos últimos quatro anos, os governos estaduais assumiram uma “paradiplomacia”, buscando diretamente investimentos internacionais e fechando parcerias sem passar pelo governo federal.
A região poderia sair fortalecida de uma nova relação com o governo federal, equilibrando parceria e protagonismo, de acordo com interlocutores ligados ao consórcio. Para isso, é estratégica a aproximação de governadores da região – como o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que fez um dos convites a Lula para participar da COP, e o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), que preside o Consórcio da Amazônia e também contatou o presidente.
Além de despertar tensões com o governo atual, a chegada de Lula à COP pode servir como sinalização política para a diplomacia brasileira.
A Folha de S.Paulo apurou que o Itamaraty tem procurado sinais do governo de transição sobre uma reorientação na agenda climática. No entanto, o curto tempo entre a eleição presidencial e a COP teria dificultado essa aproximação.
Ainda assim, a postura do Itamaraty em COPs passadas mostrou uma mudança de tom no comportamento da delegação. Em 2018, a COP ocorrida logo após a eleição de Bolsonaro contou com uma atuação mais tímida do Itamaraty – que, embora resista a mudar posicionamentos de Estado conforme os humores dos governos, deixou de lado a postura construtiva.
O papel do Brasil é fazer pontes, afirmou à reportagem um negociador. A expectativa da diplomacia é que uma sinalização política de alto nível do novo governo permita o retorno do protagonismo brasileiro nas negociações.
A última conferência do clima sob o governo Bolsonaro, revela ao mundo um país ainda mais fragmentado, representado em três pavilhões distintos na COP27.
Dos três espaços de representação do país, o estande oficial tem a maior área –500 m2– e é patrocinado pelas confederações nacionais da indústria (CNI) e da agricultura (CNA). Os outros dois espaços brasileiros na COP representam as organizações da sociedade civil, reunidas no Brazil Climate Hub, e o Consórcio da Amazônia Legal, formado pelos governos estaduais da região. Ambos atores fizeram representações paralelas do país em conferências internacionais, em clara contraposição à política antiambiental de Bolsonaro.
Os três estandes se encontram em uma mesma esquina da COP. O espaço do Consórcio fica de frente com uma das entradas do estande oficial do Brasil, que, por sua vez, está a apenas uma quadra do hub das ONGs.
A proximidade promete aumentar a tensão política entre representantes do governo atual e os participantes dos outros dois espaços brasileiros. Os pavilhões dos governadores e das ONGs fizeram convites ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e esperam sua visita na próxima semana, embora ainda não tenham confirmação de agenda.
A ex-ministra do Meio Ambiente e eleita deputada federal, Marina Silva (Rede-SP), deve acompanhar a agenda de Lula na COP, assim como a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Elas são cotadas para assumir, respectivamente, os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Agricultura (Mapa). Outros nomes ainda estão em disputa para o MMA, como o do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que ainda avalia se deve participar da COP.
A expectativa de brasileiros e também de estrangeiros é que Lula, para além da visita e de bilaterais com parceiros internacionais, traga à COP anúncios sobre o futuro da política ambiental brasileira.
A confirmação de um nome para comandar o Meio Ambiente ou pastas correlatas a serem criadas – como o já prometido Ministério dos Povos Originários ou a aventada Secretaria de Emergências Climáticas – é uma das possibilidades aguardadas.
Outra hipótese levantada por ambientalistas brasileiros é a de um anúncio de revisão das metas climáticas do Brasil junto ao Acordo de Paris (as chamadas NDCs, ou contribuições nacionalmente determinadas).
Elas sofreram um retrocesso ao serem atualizadas durante o governo Bolsonaro, o que foi apelidado de “pedalada climática”, por alterar a contabilidade dos parâmetros usados para calcular a meta climática.
Os acenos ajudariam a injetar confiança sobre o resgate do protagonismo brasileiro na agenda climática e, para além disso, poderia ter um efeito indireto nas negociações: o Brasil poderia reassegurar a prioridade da agenda climática para o mundo, justamente em um contexto global que puxa a atenção dos líderes para novas urgências, tais como as consequências da guerra na Ucrânia para a energia e os alimentos e a recuperação econômica após a pandemia da Covid.
Segundo negociadores do bloco de países desenvolvidos, a retomada do compromisso climático brasileiro acenada por Lula gera dupla expectativa para o mundo.
A primeira é sobre o impacto no clima: a promessa de controlar o desmatamento -para zerá-lo até o final da década- ajuda a nutrir esperanças de que o mundo conseguirá derrubar pela metade as emissões globais de gases-estufa até 2030.
A segunda expectativa é sobre a contribuição para o sistema multilateral. Reconhecido por diferentes blocos de países pela hábil diplomacia, o Itamaraty foi considerado um dos atores-chave para a construção do Acordo de Paris, mediando o entendimento entre o bloco desenvolvido e os países em desenvolvimento.
Assim que eleito, Bolsonaro cogitou sair do Acordo de Paris e mudou de ideia após ouvir o agronegócio sobre a importância econômica que o compromisso climático teria para as exportações brasileiras.
O setor apoiou a reeleição do seu governo e patrocina o espaço brasileiro na COP27, através do apoio Confederação Nacional da Agricultura. Em nota divulgada após a eleição de Lula, a entidade pediu apoio do presidente para “proteger a produção nacional das barreiras ao comércio abertas ou disfarçadas de preocupações com a saúde e o meio ambiente”.
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