BARRA MANSA, RJ (FOLHAPRESS) – Estudos científicos cada vez mais jogam luz sobre alternativas que não envolvem o uso de medicamentos para o tratamento de demências, como o Alzheimer. Intervenções como cuidado personalizado, atividades físicas e recreativas, oferta de treinamento para cuidadores e até fototerapia estão no radar de especialistas, e apresentam bons resultados para a qualidade de vida dos pacientes.
Rita Ferreira, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), afirma que esses procedimentos são tão importantes quanto o uso dos remédios. Por meio deles é possível preservar habilidades cognitivas do paciente e evitar o surgimento de novos sintomas, sejam eles neuropsiquiátricos, psicológicos ou comportamentais.
Esses benefícios foram vistos também por pesquisadores chineses, que combinaram os resultados de 41 pesquisas científicas diferentes em uma meta-análise. Publicado na revista científica Nursing Open, o artigo mostra que essas terapias podem melhorar tanto as funções cognitivas dos pacientes quanto sua condição psicológica.
Estima-se que entre 60 e 98% das pessoas com demência experimentam problemas como depressão e ansiedade. Usando métodos estatísticos, os especialistas concluíram que recreação terapêutica, massoterapia e, principalmente, terapia comportamental e enfermagem individualizada são técnicas eficientes para prevenir esses sintomas. Já em relação à cognição, o trabalho de reminiscência foi aquele que se provou mais eficaz.
A técnica consiste em conversar com o paciente sobre as memórias do passado. Segundo os autores, é uma estratégia sensata recorrer às lembranças mais remotas se a pessoa tem dificuldade de se lembrar de acontecimentos mais recentes. Além de exercitar o cérebro, traz segurança para o idoso, que se sente confiante ao falar das experiências anteriores.
Entre muitas intervenções disponíveis, Ferreira chama a atenção para o papel da reabilitação cognitiva. Nos quadros mais leves, segundo ela, a pessoa com demência consegue desenvolver ferramentas para lidar com as questões do cotidiano usando ferramentas como o celular ou um diário. Em pacientes mais avançados, a estimulação cognitiva através de quebra-cabeças, terapia ocupacional e atividade física, por exemplo, têm papel prevalente.
Apesar das perspectivas promissoras, o professor Arthur Schelp, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), diz que é difícil comprovar a eficiência dessas terapias em estudos científicos. Para algumas intervenções, não é possível aplicar um ensaio clínico duplo-cego randomizado controlado por placebo, como é feito com medicamentos, e que garante a confiabilidade dos resultados. É o caso da fototerapia. A exposição controlada à luz artificial pode promover melhoria das funções cognitivas do paciente, como mostram estudos reunidos em uma meta-análise publicada na revista científica Brain and Behavior.
Os autores do trabalho dizem que o tratamento pode compensar a perda sensorial dos pacientes e ajudar na regulação do ciclo circadiano, fundamental para o controle da função cerebral e para conter o avanço de demências, inclusive o Alzheimer. Segundo o pesquisador da Unesp, entretanto, resultados positivos também podem ser obtidos com atitudes mais simples, como o banho de sol diário.
A atenção às pessoas em torno dos pacientes também é uma intervenção importante. Um estudo recente comparou o custo-benefício de planos de tratamento americanos para demência que não fazem uso de remédio, mas são focados, sobretudo, na assistência aos próprios cuidadores.
Os resultados, publicados na revista científica Journal of the Alzheimer’s Association, mostrou, em primeiro lugar, que esses métodos melhoraram a qualidade de vida dos pacientes e reduziram o número de internações em casas de repouso. Além disso, este tipo de intervenção permite uma economia de 3 a 13 mil dólares (de R$ 14 mil a R$ 64 mil ) em custos sociais.
Em termos financeiros, Rita Ferreira diz que a melhor alternativa é associar os dois tipos de tratamento, com e sem medicação. Mas os custos de implementação necessários para construir uma infraestrutura e contratar os profissionais ainda são uma barreira.
“O ideal é que tivéssemos hospital-dia, onde ele pudesse ir de manhã e receber todo acompanhamento necessário”, afirma. A especialista destaca a importância de olhar também para a qualidade de vida dos cuidadores, muitas vezes familiares. No país, a Associação Brasileira de Alzheimer oferece grupos de apoio e treinamentos para esse público.
Os principais medicamentos tratam os sintomas da neurodegeneração, mas nos últimos anos a indústria farmacêutica tem voltado sua atenção ao desenvolvimento de novos fármacos para a prevenção da doença.
Os investimentos, porém, ainda não trazem os resultados esperados. A grande promessa dos últimos anos, os anti beta-amiloides, começaram a apresentar resultados positivos no final de 2022, e ainda assim, aquém das perspectivas dos especialistas. No começo deste ano, a FDA (agência americana reguladora de medicamentos e alimentos) aprovou o uso de mais uma dessas drogas, o lecanemab.
Por outro lado, avanços no diagnóstico precoce acendem um horizonte de mais esperança entre neurologistas. Quando detectadas ainda nos primeiros estágios, a maioria das demências pode ser tratada e sua evolução diminuída a tempo de garantir qualidade de vida para pacientes e suas famílias.
“Alzheimer ainda não tem cura. O que podemos tentar fazer é retardar o avanço da doença”, afirma o professor Schelp.
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