(FOLHAPRESS) – Um trio de pacientes tetraplégicos aprendeu a controlar suas cadeiras de rodas com o pensamento, o que permitiu que eles rodassem por um trajeto relativamente complexo, desviando de obstáculos, nos corredores do hospital alemão onde estavam sendo acompanhados.
A pesquisa descrevendo o feito acaba de ser publicada por especialistas americanos e europeus no periódico especializado iScience.
Trata-se de um marco importante nos estudos sobre a chamada interface cérebro-máquina, cuja grande promessa é devolver parte da mobilidade a pessoas paralisadas por meio da robótica e da neurociência. O trabalho, porém, também mostra como esse caminho é complexo: nem todos os participantes conseguiram fazer com que seu cérebro “conversasse” com o computador com a mesma eficiência.
“Nós mostramos que o aprendizado mútuo, envolvendo tanto o usuário quanto o algoritmo da interface cérebro-máquina, são importantes para operar essas cadeiras de rodas com sucesso”, resume o coordenador do estudo, José Millán, da Universidade do Texas em Austin (EUA), em comunicado oficial. Também assinam a pesquisa cientistas da Universidade do Ruhr em Bochum, na Alemanha, da Universidade de Pádua, na Itália, e de outras instituições europeias.
Desde o começo do século 21, os trabalhos que tentam conectar o cérebro com sistemas robóticos têm seguido diferentes caminhos. Alguns têm apostado em implantes cirúrgicos, diretamente conectados aos neurônios, porque assim seria possível obter sinais mais confiáveis da atividade cerebral.
Essa abordagem mais invasiva, no entanto, envolve tanto os riscos da operação quanto os impactos de longo prazo dos aparatos eletrônicos no cérebro dos pacientes. Além disso, há a questão de determinar quantos neurônios, entre os bilhões existentes no órgão, são necessários para decodificar informações sobre movimentos.
No caso da pesquisa na revista iScience, Millán e seus colegas adotaram uma abordagem não invasiva. Os pacientes tetraplégicos usaram uma touca externa de EEG (eletroencefalografia), que é capaz de captar a atividade elétrica do cérebro do lado de fora. Um dos participantes estava completamente paralisado do pescoço para baixo, enquanto os outros dois conseguem movimentar um pouco braços e dedos das mãos.
À primeira vista, a tarefa dos voluntários era simples: imaginar que estavam mexendo as duas mãos ao mesmo tempo -o que a interface “leria” como o comando para virar à esquerda- ou os dois pés, o equivalente a virar à direita.
O sistema, que ficava funcionando num laptop atrás da cadeira de rodas, foi equipado com a capacidade de otimizar a sua “leitura dos pensamentos” com o passar do tempo, para que a tarefa de controlar as viradas da cadeira de rodas fosse ficando mais fácil. Se nenhum dos dois comandos para virar fosse dado mentalmente, o veículo “entendia” que devia seguir em linha reta.
Ainda que o sistema pareça simples, foi preciso muito treinamento -três sessões por semana, ao longo de um tempo entre 2 meses e 5 meses- para que os pacientes adquirissem boa capacidade de controle. Dois deles -designados como P1 e P3 no estudo- atingiram um grau de precisão no uso dos comandos igual ou superior a 95%, progredindo cada vez mais ao longo das sessões. O outro, que os cientistas chamam de P2, no entanto, atingiu um máximo de 68% de precisão, sem progressos claros depois disso.
Nos dois pacientes que mais progrediram, a equipe percebeu que dois fatores trabalharam juntos para que isso acontecesse. De um lado, o software da interface cérebro-máquina, de fato, foi se tornando cada vez mais hábil na sua capacidade de “entender” o que as ondas cerebrais dos pacientes significavam. De outro, porém, tudo indica que os próprios voluntários aprenderam, de forma inconsciente, a mandar comandos mais claros via pensamento.
“Com base nos resultados de EEG, vemos que o paciente consolidou a habilidade de modular diferentes partes de seu cérebro para gerar padrões diferentes de ‘ir para a esquerda’ e ‘ir para a direita’. Acreditamos que aconteceu uma reorganização do córtex cerebral deles, como resultado do processo de aprendizado”, explica Millán.
Na tarefa final, que envolvia a jornada ao longo de corredores e quartos do hospital, desviando de cones, divisórias e camas, mais uma vez dois pacientes completaram o percurso com sucesso, enquanto o outro não foi até o fim. A intenção da equipe é investigar mais a fundo quais os fatores que atrapalham a capacidade de controlar a interface com o cérebro nesses casos.
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