ROGÉRIO PAGNAN E CARLOS PETROCILO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para conseguir participar do desfile do Carnaval de 2022, ano em que amargou seu segundo rebaixamento ao Grupo de Acesso, a escola de samba Vai-Vai teve de recorrer a uma série de empréstimos. Um dos credores da agremiação foi Luiz Roberto Marcondes Machado de Barro.
Conhecido como Beto Bela Vista, ele é ex-diretor da Vai-Vai e, de acordo investigação da polícia, é apontado como um dos chefes do PCC em SP. A informação do empréstimo, no valor de R$ 300 mil, está em um dos processos de lavagem de dinheiro que tramitam na Justiça paulista contra Luiz Roberto.
No desfile deste ano, a escola provocou descontentamento em setores da polícia ao caracterizar PMs do choque como seres demoníacos. Após reclamações, a Vai-Vai emitiu nota afirmando que não teve “intenção de promover qualquer tipo de ataque”.
Conforme documentos sigilosos aos quais a Folha de S.Paulo teve acesso, a existência do empréstimo foi comunicada à Polícia Civil pelo então presidente do Conselho Deliberativo da Vai-Vai, Luiz Pereira de Mattos Filho, e posteriormente confirmada pelo presidente da agremiação, Clarício Aparecido Gonçalves.
“Confirmou [Gonçalves] que houve um empréstimo de Luiz Roberto à escola no valor de R$ 300.000 (trezentos mil reais) para o carnaval de 2022, cuja dívida ainda não foi quitada”, diz trecho de relatório policial, que faz parte do inquérito que investigava a compra do terreno para nova sede da Vai-Vai.
Em nota à Folha de S.Paulo, a escola afirmou que o empréstimo foi registrado em cartório e que pagou parte da dívida, enquanto o restante foi amortizado por meio de contratos de publicidade com Luiz Roberto.
Mattos Filho foi ouvido pela Polícia Civil para explicar como se deu a escolha do terreno para construção da nova sede da Vai-Vai, na rua Almirante Marques Leão, também na Bela Vista, dentro do processo de desocupação da quadra da escola para dar espaço à nova estação 14 Bis, da linha 6-laranja de metrô.
O presidente disse no depoimento que o conselho aprovou a compra do terreno, mas o grupo não sabia que o local escolhido para abrigar a nova sede da escola, indicado pela própria cúpula da agremiação, pertencia ao então diretor financeiro, Luiz Roberto.
“Fato é que, posteriormente, quando se veio à tona o nome do proprietário do terreno, geraram conflitos internos”, diz trecho do depoimento de Mattos, conforme reprodução no relatório final da polícia.
A investigação da polícia apontou que Luiz Roberto havia comprado dois lotes por R$ 2,8 milhões -pagos em espécie- e os vendeu menos de um ano depois por R$ 6,8 milhões.
O empréstimo à escola ocorreu após a concretização desse negócio, segundo o presidente do conselho.
O delegado responsável pela investigação apontou, no relatório final, que não viu irregularidades nos procedimentos adotados na aquisição dos lotes, mas vislumbrava possível crime de lavagem de dinheiro por parte do então diretor financeiro da Vai-Vai nessa operação.
Entre os indícios de lavagem de dinheiro estava a vida pregressa de Luiz Roberto, a incapacidade financeira para aquisição de tal bem e, também, o fato de a compra ter sido realizada em dinheiro -algo considerado suspeito em investigações policiais.
Sobre o passado, os relatórios afirmam que Luiz Roberto esteve preso por cerca de dez anos (deixou a prisão em 2014). O seu último endereço no sistema prisional, segundo a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), foi a Penitenciária 2 de Venceslau, no interior de SP, onde fica a cúpula do PCC.
Os documentos da polícia apontam que Luiz Roberto tem passagens por formação de quadrilha, roubo, uso de documento falso, desacato, motim de presos, extorsão mediante sequestro, porte ilegal de armas, lesão corporal, resistência, desobediência e dano.
Ele é irmão de Luiz Eduardo, o Du Bela Vista, também apontado como do PCC e preso no sistema federal.
Em 2014, Du estava com Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, na lista de chefes da facção que seriam resgatados em um plano que previa a utilização de avião e dois helicópteros. O suposto plano foi descoberto, e os presos, punidos.
O advogado de Luiz Eduardo, Marcio Cavicchioli, disse que o seu cliente está “preso há muito tempo” e não tem relacionamento com a Vai-Vai e nem com o PCC. “Com relação ao plano de fuga, isso gerou um inquérito e um processo judicial no qual ele [Luiz Eduardo] foi absolvido”, diz Cavicchioli.
Tanto o presidente do conselho quanto o presidente da Vai-Vai disseram que conheciam o passado criminoso do então diretor financeiro.
OUTRO LADO
A Vai-Vai, em resposta à Folha de S.Paulo, disse que o empréstimo em questão foi registrado em cartório e está respaldado pelo estatuto da escola. Ainda segundo a nota da escola, é praxe esse tipo de ação, tanto na Vai-Vai quanto nas demais escolas de São Paulo.
“Sobre as opções de compra do terreno, todas foram analisadas e validadas no Conselho Deliberativo, com votação da proposta final em julho de 2021, aprovada por unanimidade”, diz trecho da nota.
A escola diz que o Ministério Público não comprovou qualquer ilegalidade por parte do Vai-Vai ou envolvimento na investigação de lavagem de dinheiro.
“Vai-Vai tem como premissa uma conduta ética e transparente e reitera sua total disposição em colaborar com as autoridades. Reforça ainda o seu compromisso com ações sociais e culturais como exímio representante da cultura paulistana, promovendo transformações sociais e fomentando a educação há 94 anos”, finaliza a nota.
Sobre os valores emprestados, a escola disse que pagou parte do empréstimo e “o restante foi amortizado em forma de publicidade da empresa do sr. Roberto nos canais da escola”.
A escola não informou quanto representou os R$ 300 mil no valor investido em 2022 -disse que este é “um dado interno e divulgá-lo implicaria em questões estratégicas”.
A reportagem não conseguiu localizar Luiz Roberto. A advogada de defesa dele diz que todas as relações “comerciais travadas entre ele e a escola de samba Vai-Vai são lícitas e já foram analisadas pela Polícia Civil, que afastou qualquer indício de irregularidade”.
“Todas as transações foram devidamente declaradas às autoridades competentes e não possuem nenhuma ilegalidade”, disse a advogada Luiza Oliver, sócia do Toron Advogados.
A defesa não comentou sobre o indiciamento nesse inquérito, que ela alega não ter encontrado nenhuma ilegalidade.
Sobre a ligação com o PCC, a advogada diz que Luiz Roberto nunca foi condenado nem denunciado por fazer parte de uma organização criminosa. O que existe, segundo ela, é um processo no qual o irmão dele foi denunciado
“O Luiz Roberto não tem nenhuma relação com isso. Basta ler a denúncia apresentada pelo Ministério Público para ver. Portanto, é no mínimo temerário associá-lo a essa organização criminosa em razão de condutas atribuídas apenas e tão somente ao irmão. Obviamente, ninguém pode ser responsabilizado por atos de terceiros, mesmo que sejam irmãos”, disse.
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