SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um primeiro olhar nos números da pandemia de Covid-19 na Nova Zelândia parece não gerar alarme: 63 novos casos nesta terça-feira (24), ou 13 por milhão de habitantes, e não há mortes pela doença desde 15 de fevereiro. Em comparação, o Brasil registrou 30,8 mil infecções, taxa de 145,2 por milhão.
As cifras, no entanto, não contam a história toda. O país da Oceania enfrenta um novo surto, e a média diária de infecções saltou 792% nos últimos 14 dias, o quinto maior aumento no mundo. As 63 contaminações de terça-feira representam um patamar que não era alcançado desde abril de 2020.
Considerada um exemplo no combate à pandemia, a Nova Zelândia estava virtualmente livre do vírus havia seis meses, sem registrar casos de transmissão local e com um cenário parecido ao do mundo pré-coronavírus -o país chegou a abrir um corredor de viagens com a vizinha Austrália. A situação, porém, mudou após a chegada de um passageiro contaminado de Sydney, no dia 7, o que gerou o surto atual.
A resposta do governo da primeira-ministra Jacinda Ardern, reeleita em boa parte devido à gestão da crise sanitária, foi a mesma das outras vezes: reimpor a fase 4 do sistema de alerta, ou seja, lockdown total, o primeiro determinado em todo o território em mais de um ano. Em vigor desde o dia 17, a restrição foi renovada ao menos até sexta (27) no país e terça (31) em Auckland, onde a contaminação foi detectada.
A situação agora, porém, é diferente. A variante delta, identificada primeiro na Índia e mais contagiosa, é responsável por todas as infecções analisadas, segundo dados do Our World in Data, e a imunização caminha a passos lentos -apenas 39% da população havia recebido a primeira dose da vacina contra a Covid até esta quarta (25), e 21,8% estavam completamente imunizados, cifra menor que a do Brasil.
Ao anunciar a extensão do lockdown na segunda (23), Jacinda explicou que a propagação da delta estava sendo analisada. “[O epidemiologista] David Skegg, em recente relatório ao governo, disse que a variante delta vai ser mais difícil de controlar apenas com testes e rastreamento”, afirmou a primeira-ministra. “Isso significa que a opção mais segura agora é manter por mais tempo o nível 4.”
Com otimismo, a líder neozelandesa encerrou a fala afirmando que o plano funcionou antes e que a população pode fazer funcionar de novo -não mencionou, entretanto, a vacinação. E a cepa mais transmissível em uma população com baixa imunização é um risco para a estratégia de Jacinda.
Mesmo países com vacinação mais avançada têm visto um aumento nos casos atribuído à mutação delta. Nos EUA, 51,2% estão completamente imunizados, e ainda assim o número de infecções aumentou 28% nos últimos 14 dias. Já Israel ostenta 63% da população totalmente vacinada, o que não impediu que o governo adotasse a terceira dose para combater a alta de 98% nos casos nas duas últimas semanas.
A Nova Zelândia, por outro lado, ainda luta para conseguir aplicar as duas doses nos braços de sua população. Essa lentidão se dá, principalmente, pela demora na chegada das injeções, segundo Michael Baker, professor do departamento de Saúde Pública da Universidade de Otago.
O governo fechou a compra de 1,5 milhão de doses da Pfizer em outubro do ano passado, três meses depois de o então presidente americano, Donald Trump, adquirir milhões de fármacos da empresa. Essas vacinas, suficientes para imunizar completamente cerca de 15% dos 4,9 milhões de habitantes do país, estavam previstas para chegar no primeiro trimestre deste ano.
Em novembro, mais 5 milhões de doses, desta vez da Janssen, de aplicação única, foram pré-reservadas –2 milhões para julho e 3 milhões para 2022. Em dezembro, mais 7,6 milhões de injeções da AstraZeneca e 10,72 milhões da Novavax foram adquiridas, formando uma reserva suficiente para toda a população.
O problema, no entanto, era que a previsão, já nesta época, era a de que a vacinação para a população em geral estaria disponível apenas na segunda metade de 2021, depois que trabalhadores essenciais estivessem imunizados. Desde o início do ano, o governo foi criticado devido à demora para aprovar a aplicação dos imunizantes, ainda que já estivesse com as compras engatilhadas.
No fim do ano, Jacinda disse que o país estava “indo o mais rápido que podemos” e não iria acelerar as autorizações ou comprometer a segurança das vacinas. Em janeiro, o Ministério da Saúde afirmou ao britânico Financial Times que a situação local não era a mesma de outros em estado de emergência, avaliação compartilhada por Baker, para quem “outros países precisavam mais da vacina” do que eles.
A aprovação da Pfizer, por exemplo, ocorreu em 3 de fevereiro, dois meses após a validação no Reino Unido. Em resposta ao parlamentar de oposição Chris Bishop, o governo afirmou que havia uma condição no contrato que nenhum produto poderia ser enviado antes da aprovação, segundo a estatal TVNZ1.
O ministro de Resposta à Covid-19, Chris Hipkins, explicou que o pedido foi feito no dia 29 de janeiro, alguns dias antes, porque havia a certeza de que a vacina seria aprovada. Ainda assim, segundo as respostas recebidas por Bishop, a primeira remessa era de 65,52 mil doses, o que ele avaliou ser pouco.
Apesar das críticas, os imunizantes chegaram sem atrasos, e o governo cumpriu o prazo previsto, com a vacinação dos trabalhadores essenciais a partir de fevereiro e da população em geral em julho. Hoje, a imunização está disponível para todos com mais de 12 anos.
Assim, a situação agora parece começar a se reverter. Astrid Koornneef, gerente do Grupo de Operações de Vacinação contra Covid-19 do Ministério da Saúde, ressalta que o programa de imunização está dentro do prazo e que 80.033 doses foram aplicadas no país nesta terça, um recorde diário.
A média de injeções por dia vinha avançando lentamente até 19 de julho, quando o número gravitava entre 17 mil e 19 mil. Desde então, o índice vem aumentando rapidamente, resultado de esforço do governo, diz Koornneef. Eventos de vacinação em massa, empresas imunizando seus funcionários e aplicação em drive-thru, em especial no momento de lockdown, são alguns dos motivos apontados para a aceleração.
Além disso, 80 novos centros de vacinação foram abertos na última semana. “E continuamos a ver altos níveis de interesse de neozelandeses em marcar a aplicação, com mais de 1,64 milhão de agendamentos feitos no sistema”, ressalta a gerente à reportagem, por email.
A hesitação não chegou a ser um grande problema no país. De acordo com pesquisa da Universidade Massey, divulgada em junho, só 8% da população afirma não querer se vacinar -nos EUA, são 18%.
Ainda assim, o programa enfrenta tropeços. Nesta quarta (25), o governo confirmou que cinco pessoas em Auckland vacinadas no último mês podem ter recebido uma solução salina em vez do imunizante e não foram alertadas, segundo a rádio estatal do país.
O centro de aplicação, por sua vez, afirma não ter como determinar quem entre as 732 pessoas atendidas naquele dia foram afetadas. O governo ainda avalia como lidar com a situação e se todos deverão receber uma dose extra. As autoridades disseram ainda que eles receberão uma carta em até 24 horas.
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