DANIELE MADUREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Era 8 de fevereiro de 1972 quando a professora Lúcia Tescari decidiu levar o filho caçula Fábio, de 2 anos, para um acontecimento histórico: a compra da televisão em cores na loja Isnard, na Rua 24 de Maio, centro da capital paulista.
O vendedor era irmão de Lúcia, Júlio Ernesto, que ganhou uma boa comissão pelo feito inédito. Foi a primeira TV em cores não só da família Tescari, mas uma das primeiras aquisições do aparelho no Brasil, registrada pela Folha.
Cinquenta anos depois, Fábio ainda guarda o jornal em que aparece na primeira página com a mãe, que morreu em 1995, e a lembrança da casa cheia com familiares e vizinhos nos anos seguintes à compra do aparelho, adornado por madeira jacarandá. Ele amava assistir Vila Sésamo e Os Trapalhões, enquanto o pai não perdia o noticiário.
Hoje, porém, Fábio, professor do Insper, se contenta em acompanhar pelo notebook o canal esportivo Premiere Play quando encerra a sua jornada de aulas online. A TV fica reservada para as noites de sexta-feira, quando é promovida uma sessão de cinema em casa com a mulher e os dois filhos, de 12 e 7 anos. Esses últimos decidem o que assistir na Netflix.
A jornada da família Tescari com a TV diz muito sobre a mudança de comportamento da sociedade nos últimos 50 anos, desde o lançamento da televisão em cores no Brasil. De principal centro de informação e entretenimento da casa, a TV foi perdendo aos poucos seu espaço para aparelhos móveis, em especial smartphones e tablets, com acesso às redes sociais. Mas o fato de a TV ter se tornado smart, conectada à internet e, portanto, às plataformas de streaming e jogos, ajudou o aparelho a garantir seu lugar na sala.
Segundo dados da consultoria GfK, em 2020, primeiro ano da pandemia, as vendas de TVs cresceram 1% em relação ao ano anterior, somando 12,147 milhões de aparelhos a um preço médio de R$ 1.919.
Já em 2021, a venda de TVs caiu 23%, para 9,342 milhões de aparelhos, enquanto o preço médio subiu para R$ 2.300. Ao mesmo tempo, de acordo com a consultoria IDC, as vendas de smartphones caíram 3,5% no ano passado, somando 44,5 milhões, a um preço médio de R$ 1.530. Já a venda de tablets disparou 27,5%, para 3,7 milhões de unidades em 2021, ao preço de R$ 972, em média.
Ao se tornar assinante de plataformas de streaming como Netflix, Amazon Prime, Disney e Globoplay, o usuário decide quando e em qual aparelho assistir o conteúdo desejado -algo impensável nos anos 1970, quando acompanhar o programa da TV em determinado horário fazia parte do ritual de socialização.
“Mas, com a pandemia e a necessidade de obter entretenimento dentro do lar, a TV ganhou fôlego novo”, diz Henrique Mascarenhas, diretor comercial da GfK na América Latina. Com todos reunidos em casa, o streaming, com mensalidades que vão de R$ 10 a R$ 40, se tornou uma alternativa mais econômica de diversão, até para compensar o período em que os cinemas ficaram fechados.
A Netflix, que não divulga números locais de assinantes, afirma ter conquistado mais de 36 milhões de clientes em 2020 e 18,2 milhões em 2021. Hoje, são 222 milhões em cerca de 190 países.
No Brasil, o uso das plataformas têm incentivado a busca por televisores de telas maiores. “A venda de televisores de 50 polegadas para cima já concentra metade das vendas totais”, diz Mascarenhas.
O varejo confirma o interesse. Rodrigo Portos, diretor comercial da Via -que reúne as redes Casas Bahia e Ponto -diz que há um aumento da procura por TVs acima de 50 polegadas e de aparelhos com telas de alta resolução, equipados com as tecnologias QLED e OLED.
“Essas novas tecnologias e o fato de termos um evento esportivo neste ano -a Copa do Mundo no Qatar, em novembro -devem levar a um aumento da demanda no segundo semestre”, diz Portos. “O consumidor apaixonado por futebol busca sempre pelo melhor aparelho para apreciar as partidas.”
Fábio Gabaldo, diretor comercial do Magazine Luiza, diz observar um aumento expressivo na busca por TVs de resolução 4K desde a última Copa do Mundo, em 2018.
“A maior disponibilidade de conteúdo 4K na última Copa e nas plataformas de streaming vem contribuindo muito para essa procura, especialmente por TVs acima de 55 polegadas.”
Para Mascarenhas, da GfK, a Copa do Mundo serve como catalisador para vendas de TV em vários mercados globais, incluindo o Brasil. “É quando os fabricantes decidem investir em novas tecnologias. A deste ano, por exemplo, é a 8K, de altíssima definição de imagem”, afirma.
As incertezas econômicas e políticas deste ano eleitoral, no entanto, colocam o mercado em suspenso. “A venda de eletroeletrônicos como um todo deve andar de lado”, diz.
Na Zona Franca de Manaus, os televisores se mantêm como o produto mais importante do polo industrial, com faturamento de R$ 21,8 bilhões no acumulado de janeiro a novembro de 2021. Mas a produção caiu 17,5% no mesmo intervalo, para 9,7 milhões de unidades.
Se depender de consumidores como Fábio Tescari, é preciso mais do que uma Copa do Mundo para convencê-lo a mudar de aparelho. “Tenho uma TV Sony de 42 polegadas há mais de 12 anos”, diz o filho da primeira compradora de TV em cores no Brasil. “Já o smartphone eu troquei há cinco meses”.
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