STF decide em liminar que só bets autorizadas pela Fazenda podem operar nacionalmente

PEDRO S. TEIXEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro do STF (Supremo Tribunal Federalista) André Mendonça derrubou, em decisão liminar, trecho do edital de licenciamento de bets da Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro) que indicava que os sites com permissão do estado poderiam atuar em todo território vernáculo.

 

A Loterj e o governo fluminense devem executar a decisão no prazo de cinco dias contados a partir desta quinta-feira (2).

Empresas barradas pelo Ministério da Quinta em lista divulgada na última terça-feira (31) continuaram a operar em todo o país, sob o argumento de ter a permissão da Loterj.

É o caso, por exemplo, da Esportes da Sorte, que patrocina Corinthians, Grêmio e Bahia, além de ser conhecida pela parceria publicitária com a influenciadora Deolane Bezerra.

“O Grupo Esportes da Sorte informa que está capaz a operar em todo território vernáculo e reforça que sua operação foi confirmada e validada pela Loterj para funcionamento por um prazo de cinco anos”, disse a empresa em nota enviada para a Folha de S. Paulo na terça.

“Em paralelo, a empresa pleiteou a licença da Quinta, em seguida o cumprimento de todo rito lícito e normativo estabelecido pela legislação e suas respectivas portarias, e aguarda o seu deferimento, certa de que todas as etapas regulatórias foram rigorosamente cumpridas”, acrescentou a empresa, que pode recorrer à negativa da Secretaria de Prêmios e Apostas.

Estão na mesma situação a Vai de Bet, ex-patrocinadora do Corinthians que tem uma vez que garoto propaganda o sertanejo Gusttavo Lima, a PixBet, que patrocina o Flamengo, a Rio Jogos e a Major Sports.

Procurados por reportagem da Folha de S.Paulo, as empresas afirmaram estar em conformidade com as exigências dos reguladores federalista e fluminense. Elas também podem recorrer contra a decisão da Quinta de barrá-las.

A Quinta afirma que as empresas ausentes da lista atual não cumpriram os requisitos da pasta ou perderam prazos e tiveram seus processos arquivados. Por isso, “houve o indeferimento”. O ministério acrescenta que não comenta casos individuais.

A Advocacia-Universal da União afirma, nos autos, que o documento fluminense desrespeita um trecho da lei que regula as apostas online. A legislação federalista indica que os órgãos estaduais devem manter um sistema de georreferenciamento dos pagamentos que permitiria restringir a atuação das bets licenciadas nos estados aos seus respectivos territórios, além de facilitar a investigação de lavagem de moeda.

“A retificação do Edital nº 01/2023, ao dispensar o uso de sistemas de geolocalização, viola o art. 35-A da Lei nº 13.756, de 2018, com a redação dada pela Lei nº 14.790, de 2023, ao permitir uma ‘ficção jurídica’ de territorialidade que favorece a exploração interestadual desse serviço público pelo estado do Rio de Janeiro, em detrimento da cultura da União e de outros estados.”

O presidente da Loterj, Hazenclever Cançado, contra-argumenta que o STF, ao julgar três ações, garantiu aos estados o recta de concorrer com a União, até no contexto regulamentar. Para ele, a atuação do governo contra a autonomia carioca visa concentrar a arrecadação das apostas, dando prosseguimento ao histórico de monopólio dos jogos pela Caixa Econômica Federalista.

Para o jurisperito técnico em jogos e sócio do escritório Tozzini Freire, Caio Loureiro, no entanto, a ação da Loterj contrariava a preceito anterior da galanteio e colocava em risco a regulação da União. “A decisão esclarece o que o próprio Supremo já havia disposto ao quebrar o monopólio da União: os Estados podem prestar ou autorizar a prestação, mas restritos aos seus respectivos territórios.”

Além de invalidar o ato administrativo fluminense, o ministro determinou ainda que a Loterj e o governo do Rio se abstenham de formular meios de que a permissão fluminense tenha validade vernáculo.

A AGU afirmou que só vai se pronunciar sobre o tema nos autos do processo. Nos documentos, o órgão cita um risco de competição predatória entre os entes federados para receber os sites de apostas, caso a União perdida no imbróglio contra a estatal fluminense. Nesse cenário, os atores teriam incentivos para autenticar leis e portarias mais lenientes com crimes financeiros para atrair casas de aposta.

A estatal carioca, por exemplo, não requer certidões de “zero consta” de todos os envolvidos na rede societária dos sites de apostas.
O governo, por sua vez, exige documentações de todas as pessoas ligadas às empresas controladoras e controladas pelo CNPJ que deseja receber a outorga. Pede ainda um projecto de negócios detalhado, com projeções financeiras e demonstrações contábeis específicas.

Em evento organizado pelo grupo Lide, de João Doria, em outubro, Cançado, afirmou que a Loterj já recebe pedidos de licença de empresas de vários estados e até do exterior. Por isso, vai lutar para prometer que as licenciadas atendam jogadores de todo o país, faturando as apostas no Rio de Janeiro.

“É a mesma lógica dos ecommerces, em que a coleta do imposto ocorre no estado do mercante”, disse Cançado à reportagem. Dessa maneira, a licença da autonomia fluminense teria validade global, uma vez que ocorre com as autorizações de Mamparra, Curaçao e Anjouan, adotadas, por exemplo, para contornar proibições nacionais de aposta online.

Para a entidade representativa de bets IBJR (Instituto Brasiliano de Jogo Responsável), “o protótipo estadual, uma vez que o da Loterj, carece de mecanismos adequados de fiscalização e compliance, criando desafios regulatórios, competição desleal e riscos reputacionais para o setor.

“A União estabelece limites financeiros para apostas, obrigatoriedade de campanhas educativas e monitoramento de comportamentos que apontem para compulsividade, fraudes e ilegalidades, o que deve estar detalhado em um reporte quotidiano ao Ministério da Quinta”, diz a entidade. Outrossim, a outorga vernáculo custa R$ 30 milhões, enquanto a da Loterj sai por pouco mais de R$ 5 milhões.