FOLHAPRESS) – A solidão e o isolamento social aumentam os riscos de ataque cardíaco e de AVC (acidente vascular cerebral), além de reduzirem o prognóstico e elevarem as chances de morte por essas emergências, de acordo com um posicionamento da Associação Americana de Cardiologia (em inglês AHA, American Heart Association) publicado nesta quinta-feira (4).
Coordenado pela professora Crystal Wiley Cené, da Universidade da Califórnia, o documento foi construído por pesquisadores dos Estados Unidos, da França e da Alemanha e sintetiza a literatura existente sobre o assunto em quatro grandes bancos de dados.
Entre as pesquisas citadas no posicionamento, destaca-se um estudo da Universidade de York, no Reino Unido, que constatou um aumento de 32% no risco de derrame e de 29% no desenvolvimento de doença arterial coronariana entre aqueles com conexões sociais insuficientes.
Segundo a AHA, ter pouco contato frequente com outras pessoas (isolamento social) ou ter uma percepção de isolamento (solidão) afeta mediadores comportamentais, psicológicos e fisiológicos, que por sua vez podem repercutir na saúde cardíaca e cerebral.
Aspectos como dieta, consumo de álcool, sono e atividade física estão entre aqueles que podem ser alterados e levar a consequências mais graves.
“Ambas as situações, isolamento social e solidão, podem levar à perda de cuidado e a comportamentos danosos, como tabagismo, compulsões alimentares e desnutrição”, afirma o médico Bruno Valdigem, membro da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia).
Uma rede de relacionamentos frágil está ainda relacionada a um processo de inflamação generalizado que afeta a parte interna dos vasos sanguíneos, prejudicando seu funcionamento e aumentando o risco de problemas cardiovasculares.
“A parte interna das artérias controla nossa pressão, libera algumas substâncias para o sangue não coagular, atua no relaxamento da parte cerebral, então tem um papel muito importante. Quando você está com a artéria inflamada, ela começa a não se contrair adequadamente e deixa acumular gordura, e quando a placa de gordura rompe há coagulação, trombose, infarto e AVC”, explica o cardiologista.
De acordo com a AHA, os dois aspectos também alteram o prognóstico daqueles que já sofreram com problemas cardíacos e neurológicos. O neurologista Marcos Christiano Lange, coordenador do Departamento Científico de Doenças Cerebrovasculares, Neurologia Intervencionista e Terapia Intensiva em Neurologia da ABNeuro (Academia Brasileira de Neurologia), explica que isso pode ocorrer pelo quadro emocional que com frequência acompanha os solitários.
Quando a pessoa se sente isolada do convívio social, a probabilidade de ela querer melhorar pode ser menor.
Além disso, pode haver uma relação mais fraca entre essas pessoas e a rede de apoio. “Um dos pontos importantes desse documento é chamar atenção para a necessidade de, na consulta, examinar a parte física e sentar com o paciente para entender qual rede vai protegê-lo no caso de ele ter dor no peito de novo, ter um AVC de novo.
Para quem ele vai ligar? O risco de uma complicação em caso de isolamento é muito mais alto. O maior alerta do documento é este: pacientes que já tiveram um evento cardíaco ou cerebral precisam ter uma rede de proteção e apoio muito bem desenhada”, diz Valdigem.
Outro ponto do documento, esse ainda com poucas evidências, é a associação entre solidão e isolamento social e demência e deficiência cognitiva. “A pessoa que se sente sozinha geralmente é mais introvertida e tem maior dificuldade de interagir com os outros. Isso limita, no passar da sua vida, o estímulo cognitivo, importante para evitar e retardar o desenvolvimento de algumas demências e perda cognitiva.
Quando você participa de uma atividade em grupo, por exemplo, você enriquece muito mais do ponto de vista cognitivo do que quando fica sentado estudando sozinho”, comenta Lange.
Os pesquisadores também ressaltam que o isolamento social em crianças está associado a fatores de risco cardiovascular, questão que já começa a surgir nos consultórios. “Na minha época de faculdade, doença cardíaca em criança era basicamente doença congênita. Agora é muito mais frequente encontrar pacientes infantis com síndrome metabólica. Hoje, crianças de todas as faixas etárias estão se tornando menos saudáveis”, diz o cardiologista.
Para os médicos, ao focar no impacto dos relacionamentos e na solidão, o documento traz evidências importantes sobre um assunto que ainda é pouco abordado na medicina e dá um passo no movimento de apresentar a saúde não como ausência de doença, mas sim como bem-estar.
Por outro lado, eles lembram que ainda há muito a ser pesquisado e para o assunto ser abordado nas consultas é preciso haver tempo. Em um encontro apressado, não há formação de vínculo e nem a possibilidade de entender como o paciente se sente em relação ao convívio social.
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