SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Maria Adela Kuhfeldt Rivera era uma designer de joias e empresária em Nápoles, e lá mantinha uma loja de sua marca, Serein, vendendo brincos e anéis com motivos florais para a alta sociedade da Itália
Ela havia se especializado no ramo de joalherias perto de Roma já tinha morado em Paris -onde criou sua marca- antes de se estabelecer em Nápoles. Além de levar uma vida de luxo e riqueza regada a espumante, ela também era secretária de uma unidade local do Lions Clube, organização internacional da sociedade civil dedicada a melhorar a vida das comunidades onde atua.
Mas esta não era uma unidade qualquer do Lions -a filial havia sido criada por oficiais da Otan, a aliança militar ocidental formada por países da Europa, Estados Unidos e Canadá. Rivera frequentava diversos eventos sociais da organização, nos quais se aproximou de membros do clube militar. Com alguns deles, chegou a ter breves relacionamentos.
Era uma vida de glamour, como mostram as imagens publicadas em seu perfil no Instagram, até que em setembro de 2018 ela sumiu. Dois meses mais tarde, Rivera reapareceu com um post em seu Facebook no qual dizia que estava se recuperando de um câncer. “O cabelo está crescendo depois da químio. Curtinho, curtinho mas lá. Sentindo saudades de tudo, mas tentando respirar.”
Na mesma época em que ela desapareceu, chefes do serviço de inteligência militar da Rússia, conhecido pela sigla GRU, conversaram por telefone assim que o site de jornalismo investigativo Bellingcat revelou as identidades de dois espiões russos ligados ao envenenamento de outro ex-espião, Serguei Skripal.
Horas depois da conversa dos oficiais de inteligência, Rivera comprou uma passagem só de ida de Nápoles para Moscou. De acordo com uma longa investigação publicada na última quinta-feira (25) pelo Bellingcat em parceria com o site russo The Insider, a socialite era, na verdade, uma espiã russa vivendo há anos sob uma identidade falsa.
Ela estava na Itália a trabalho, espionando a Otan, e tudo indica, segundo a apuração, que foi chamada de volta para a Rússia às pressas por seus superiores, que ficaram receosos de que ela também fosse descoberta. Ela vivia disfarçada há uma década.
Rivera era uma “ilegal”, como são conhecidos os agentes russos que chegam a viver décadas no exterior com uma identidade falsa. Estes profissionais são utilizados pela inteligência russa desde os primeiros anos da antiga União Soviética.
Seu nome real é Olga Kolova, e ela agora vive em Moscou num apartamento de luxo, de acordo com a investigação. A confirmação de sua identidade veio de uma maneira inusitada: a foto do Whatsapp de Kolova era a mesma do perfil no Facebook de sua alter ego Rivera.
Espiões como ela costumavam ser difíceis de serem descobertos por agências de contra-inteligência, mas num mundo de dados biométricos, software de reconhecimento facial e possibilidades de investigação online, tornou-se mais difícil para a Rússia manter seus infiltrados fora do radar.
Christo Grozev, investigador principal do Bellingcat, disse em uma entrevista que descobriu o rastro de uma possível infiltrada quando pesquisava em um banco de dados vazado por agentes de fronteira da Belarus e fornecido a ele por um grupo de hackers opositores do regime do ditador Aleksandr Lukachenko.
Grozev procurou números de passaportes russos em intervalos conhecidos por terem sido usados por agentes do GRU e encontrou vários resultados. A maioria tinha nomes russos, mas uma se destacou: Maria Adela Kuhfeldt Rivera.
Geralmente os espiões disfarçam suas ligações com a Rússia ou com a União Soviética, mas este não era o caso dela. Ao que tudo indica, uma tentativa anterior de Rivera de se passar como cidadã peruana deu errado: um documento de 2006 observa que seu pedido de cidadania ao Peru foi negado e considerado fraudulento.
A investigação descobriu ainda que, aparentemente, as joias que Kolova vendia à alta sociedade italiana eram na verdade compradas no AliExpress, uma das maiores plataformas de ecommerce da China.
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