Pressionado por bolsonaristas, o órgão do Ministério da Saúde responsável pela análise técnica de novos medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) adiou a decisão, prevista para esta quinta-feira, 7, que poderia barrar de vez o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina como tratamento para pacientes com covid-19. Ambas comprovadamente não funcionam contra a doença, mas são promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados como parte do chamado tratamento precoce. Como revelou o Estadão, o colegiado iria se opor a Bolsonaro, e a conclusão técnica seria usada pela CPI da Covid como mais uma prova dos erros do governo na gestão da pandemia.
A discussão foi retirada da pauta da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) a pedido do coordenador do grupo, o médico Carlos Carvalho, da USP, escolhido pelo ministro Marcelo Queiroga. Ao Estadão, Carvalho disse que a decisão não foi influenciada por questões políticas. O médico afirmou que gostaria de levar para discussão do grupo de especialistas que elaboraram o protocolo um estudo publicado no fim de setembro, no The New English Medical Journal, sobre o remédio Regen-Cov.
A discussão sobre as diretrizes era o item 12 da pauta, mas foi retirado. A decisão da Conitec, que tem caráter consultivo, era esperada com preocupação pelo Palácio do Planalto por causa das potenciais consequências políticas e jurídicas. A recomendação indiscriminada de drogas que não funcionam em detrimento de medidas como incentivo à vacinação e ao distanciamento social é uma das frentes atacadas pela CPI.
Além disso, a decisão técnica de um órgão do próprio governo colocaria em xeque o discurso pró-cloroquina dos bolsonaristas. Na manhã de hoje, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) usou as redes sociais para dizer enganosamente que “a esquerda proibiu acesso a tratamento que poderia salvar vidas”. No último dia 21, Jair Bolsonaro defendeu o tratamento precoce, com cloroquina, em discurso na das Nações Unidas Organização (ONU).
O parecer dos técnicos que seria levado à votação reprovava fortemente o uso de remédios como a hidroxicloroquina, cloroquina e a azitromicina. O texto, ao qual o Estadão teve acesso, ressalta que, em tempos de pandemia, os recursos públicos devem ser empregados no que há mais certeza sobre a eficácia.
O documento deixa claro que há evidências de que azitromicina e hidroxicloroquina são ineficazes, ou seja, não funcionam no tratamento da doença e não devem ser usadas. Já para drogas como ivermectina e colchicina há ausência de evidência de que funcionam no tratamento.
De acordo com o parecer, não existe nenhum remédio, até o momento, que possa ser usado de forma precoce para alterar o curso natural da doença.
“Diversas terapias ineficazes foram descartadas, de forma a promover a economia de recursos com o abandono de seu uso, como o caso da azitromicina e da hidroxicloroquina (…) em um cenário de epidemia, a alocação de recursos deve ser priorizada para intervenções com maior certeza de benefício, como o caso de equipamentos de proteção individual, intervenções para o suporte ventilatório dos pacientes e terapias farmacológicas com efetividade comprovada. Deve ser estimulado o tratamento de pacientes mediante protocolos de pesquisa de estudos com delineamento adequado e potencial para dar respostas à sociedade”, diz trecho da conclusão do parecer.
Os médicos que elaboraram o protocolo foram avisados sobre a retirada de pauta por um dos coordenadores do grupo na manhã desta quinta, segundo apurou o Estadão.
As diretrizes foram elaboradas por cerca de 20 especialistas, de diferentes sociedades médicas. O Estadão apurou ainda que o grupo não vai aceitar interferência política por mudanças no documento, e os médicos vão retirar seus nomes caso isso ocorra.
A Conitec é composta pelos sete secretários do Ministério da Saúde, além de representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacional de Saúde (ANS), e de secretarias estaduais e municipais de saúde. O coordenador, Carlos Carvalho, indicado por Queiroga, é crítico da cloroquina e defensor do distanciamento social e do uso de máscaras.
A comissão é responsável por assessorar o ministério na decisão de quais medicamentos e tratamentos que serão utilizados pelo SUS. Uma decisão sobre os tratamentos medicamentosos para pacientes com covid deve ser conhecida até o dia 26. Em maio, a Conitec já havia reprovado o uso da cloroquina para pacientes hospitalizados.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse em depoimento à CPI, em junho, que esperaria uma decisão da Conitec para se manifestar sobre a pertinência ou não do uso do remédio. Nesta quinta, os senadores aprovaram a reconvocação de Queiroga. De volta ao Brasil após duas semanas de quarentena em Nova York, ele se recusou a revelar se tomou hidroxicloroquina no período, como incentiva Bolsonaro.
Queiroga vem sendo criticado por setores da base bolsonarista e no governo. A ala ideológica critica o ministro por ter liberado a vacinação de adolescentes, por não agilizar um plano para desobrigar o uso de máscaras e por não atuar de forma mais contundente para barrar o “passaporte da vacina” – ele pessoalmente sugeriu o modelo, em abril.
Procurado pelo Estadão desde o início da semana para comentar a reunião decisiva da Conitec, o ministério não se manifestou. Nesta quinta, em nota, informou apenas que o tema foi retirado de pauta pelo coordenador do grupo de especialistas que está elaborando as diretrizes do tratamento ambulatorial em razão da “publicação de novas evidências científicas dos medicamentos em análise”. Ainda segundo o ministério, o documento “será aprimorado e vai ser pautado assim que finalizado”.
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