SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Saiu Ricardo Salles, entrou Joaquim Leite, e quase nada mudou na governança ambiental, muito criticada, do governo Jair Bolsonaro (PL), dizem especialistas da área ambiental.
“A entrada do Joaquim é uma mudança de embalagem”, resume Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que congrega dezenas de instituições de pesquisa ambiental e da sociedade civil.
Na mesma linha, Natalie Unterstell, mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA) e coordenadora do Política por Inteiro, diz: “Tudo muda para tudo ficar como está”, fazendo referência a uma frase do livro “O Leopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa.
O ponto central, dizem os especialistas, é que os ministros estão seguindo a política ambiental ditada por Bolsonaro. “O verdadeiro ministro do Meio Ambiente é o Bolsonaro”, diz Astrini. “No ministério, um sinal de melhoria seria coroado com demissão. Se você melhorar a gestão ambiental, você vai ser demitido.”
Permanece, sob Leite, os baixos níveis de multas ambientais, ao mesmo tempo em que há altos índices de desmatamento. A fragilização do ministério e de órgãos como Ibama e ICMBio também permanecem, dizem os especialistas ouvidos pela reportagem.
Salles pediu para sair do governo no momento em que era alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por uma operação da Polícia Federal que investigava suposto favorecimento a empresários do setor de madeiras a partir de modificação de regras com o objetivo de regularizar cargas apreendidas no exterior.
O ex-ministro também era alvo de um inquérito que investiga sua atuação na apuração da maior apreensão de madeira do Brasil. Salles se colocava ao lado dos madeireiros.
Segundo Astrini, a saída de Salles não teve nada a ver com um possível fraco desempenho ambiental. “O desempenho estava a contento do Bolsonaro. Se a PF não tivesse feito a denúncia no Supremo, ele seria o ministro até hoje.”
Leite é próximo a Salles e, mesmo logo após a troca de ministros, apostava-se que a mudança não traria alterações de fato.
“A grande questão é que do ponto de vista de orientação, de política, não houve nenhuma mudança. O ministério continua estando muito aquém das necessidades de um Ministério do Meio Ambiente do Brasil, um ministério tacanho, com pouco protagonismo e com pouquíssimo conhecimento técnico, apesar do corpo técnico experiente”, diz Adriana Ramos, assessora política e de direito socioambiental do ISA (Instituto Socioambiental). “O ministro não parece usufruir desse conhecimento.”
Segundo os especialistas ouvidos, fica clara a continuidade do modelo de gestão ambiental ao se ver que as medidas postas em prática por Salles continuam em vigor. Uma das principais é a paralisação do Fundo Amazônia, no qual há bilhões de reais que poderiam ser usados para programas de preservação ambiental no bioma.
Para reativá-lo, bastaria que o novo ministro reconstituísse os conselhos paralisados por Salles. O ex-ministro interrompeu as atividades do fundo por, segundo ele, terem sido detectados problemas nos contratos do fundo com projetos. Alguns meses depois, Salles já falava que as negociações para retomada do fundo estavam paralisadas porque havia o desejo brasileiro de que o governo federal tivesse prevalência no processo de decisão sobre a destinação do dinheiro.
Ao mesmo tempo, Noruega e Alemanha se mostravam surpresos com a situação e afirmavam que estavam satisfeitas com o funcionamento do fundo, que passava por auditorias internacionais.
Apesar da semelhança administrativa, há uma visível diferença entre eles. Salles tinha uma postura combativa, mais ousada e irônica, tanto em entrevistas quanto em redes sociais. Já Leite é mais discreto e pouco se expõe nas redes sociais.
Unterstell avalia que a entrada de Leite pode ter sido uma tentativa de aliviar a imagem ambiental do país.
“Eles achavam que o Joaquim Leite era um remédio publicitário e que, com um discurso menos agressivo, diminuiriam as críticas ao Brasil”, afirma a coordenadora do Política por Inteiro. “Eles fracassaram com essa estratégia.”
O Brasil continua sendo visto com preocupação, devido aos elevados níveis de desmatamento na Amazônia, pelo mercado externo.
“Um era mais histriônico e mais político, com uma presença pública mais proativa. E o outro com uma presença pública praticamente inexistente”, afirma Ramos.
Na COP26, Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, no Reino Unido, a passagem de Joaquim Leite foi pálida, diz Unterstell. Inclusive, o Brasil foi para a COP quando os dados de desmatamento na Amazônia já tinham sido computados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), mas não foram tornados públicos.
Se a mudança de ministro não trouxe alterações de fato, as mudanças na liderança do Legislativo trouxeram, diz Suely Araujo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
Segundo Araujo, as “boiadas” ambientais não andavam nos primeiros anos de governo, pela falta de base governamental no Legislativo, o que muda com a aliança com o centrão. “O Arthur Lira deixou de promover deliberações, que envolve debate, e ele só promove votações com textos que aparecem do nada.”
A especialista cita como exemplo o PL (projeto de lei) 6299/2002, que foi incluído para votação em regime de urgência. O projeto, que muda regras relacionadas a agrotóxicos, foi barrado.
Segundo Araujo, que acompanha o Legislativo há mais de duas décadas, está muito forte uma postura antimbiental, principalmente na Câmara, de desconstrução da política ambiental, “chancelada pelo presidente da Câmara e pelas lideranças que o apoiam, a maioria governamental”.
A especialista do Observatório do Clima diz que 2022 tendo a ser um ano com ainda mais judicialização de temas ambientais, algo que já ocorreu em 2021, inclusive com uma decisão do STF, em dezembro, que restaurou a proteção a mangues e restingas, que tinha sido alterada por uma decisão do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) em 2020, que, naquele momento, era presidido pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
A reportagem procurou o Ministério do Meio Ambiente para comentar, mas, até a publicação desta reportagem, não houve resposta.
Procurado pela reportagem, a assessoria de Arthur Lira afirmou que “refuta qualquer tentativa de colar no presidente a pecha de antiambientalista”.
“Todas as pautas aprovadas são pautadas por decisão do colégio dos líderes e não pela decisão unilateral do presidente. Vários foram os projetos pautados como o Projeto de Lei 528/21, do 1º vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), a fim de regular a compra e venda de créditos de carbono no País”, disse a assessoria do presidente da Câmara, em nota.
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