FOLHAPRESS – O título já explica a filiação do filme: “Silvio” nos introduz suavemente ao convívio familiar com o apresentador e dono de TV. E assim será todo o tempo. Não se toca em fatos controversos da vida financeira de Silvio Santos, por exemplo, e mal se aborda sua intimidade com o poder.
Dito isto, o filme tem algo de surpreendente. Em vez de abordar a biografia de seu objeto desde que usava fraldas até o velório, busca um fato central capaz de revelar sua personalidade, modo de agir, sentimentos e maneira de lidar com tudo isso. Um momento de crise ajuda, e “Silvio” fixa-se no sequestro de que o apresentador foi vítima em sua própria casa, pouco depois de uma de suas filhas ter sido liberada pelos sequestradores.
A base é, portanto, a relação entre Silvio (Rodrigo Faro) e Fernando (Johannas Oliva), sequestrador e sequestrado. Embora as intenções do jovem sequestrador nunca fiquem muito claras, isso não é relevante. O essencial é ficar claro que ele é um rapaz que preza a própria família e a admiração que demonstra por Silvio Santos não é exatamente de um bandido.
É a partir disso que Silvio pode decodificá-lo e usar sua proverbial lábia para negociar, como diz, e ao mesmo tempo, para acalmar o jovem Fernando. Outro ponto a favor do filme: não insiste excessivamente na semelhança física do ator com Silvio, nem no seu modo de falar. Dito isso, temos um filme policial confrontando essencialmente a calma e o “savoir faire” da vítima com a insegurança e imaturidade do agressor.
Até mais um pouco -Silvio trata Fernando como um filho em fim de adolescência, um tanto rebelde, porém não má pessoa. Impossível saber até onde havia cálculo nessa atitude, mas ela é conforme aos programas de TV. A ideia de afeto pelos espectadores, concorrentes e auditório era transmitida sem ambiguidades, e isso foi central em seu sucesso.
Outros aspectos da vida de Silvio Santos aparecem em flashback. São momentos em que o apresentador, durante o sequestro, lembra quem foi -a infância como camelô, os problemas com o pai, o início no rádio, a amizade com Manuel de Nóbrega, a morte da primeira mulher etc.
A maior parte justifica-se seja porque o público-alvo (os admiradores de Silvio Santos) não aceitaria que estivessem ausentes, seja porque alguns deles explicam a trajetória do personagem.
Se a primeira parte é beneficiada pela construção -exemplo: providencia-se um atirador de maus bofes, em conflito com a simpática delegada, e que entra na história para, a toda hora, tentar matar o rapaz, o que melaria de vez a estratégia e o objetivo do próprio Silvio Santos-, a segunda é um rosário de equívocos.
A direção de arte parece supor, entre outras, que o Rio de Janeiro todo se vestia e se penteava, nos anos 1940 e 1950, conforme as revistas de época mostram. A cenografia também é sobrecarregada e, se tudo corre bem com Silvio Santos, o mais difícil, a maquiagem que busca imitar Manoel de Nóbrega (Duda Mamberti) acaba por criar uma caricatura.
Também se pode por na coluna dos débitos os excessos melodramáticos dessa parte do filme, em contraste com o eixo central. Cabe imaginar que isso faça parte da estratégia geral do produto. É, afinal, com um público educado por décadas a fio de xaropadas que o filme deve contar na bilheteria.
Vale colocar no lado das contribuições a insistência em ressaltar certos valores que, francamente, estão um tanto fora de moda -a lealdade, o respeito à palavra dada, a honra e, acima de tudo, a negociação como dado essencial da existência. Ao mesmo tempo, mal se toca na fortuna de Silvio.
Entre altos e baixos -inclusive na direção de atores- “Silvio” se equilibra. Corrige, surpreendentemente, certos defeitos em que o roteiro brasileiro se especializou e consegue mostrar uma face aceitável, embora favorável, do apresentador, ao mesmo tempo em que se apega ao velho dramalhão, buscando garantir o afeto do espectador.
Se chegar a isso para o que foi feito -o sucesso- essa mistura de policial e biografia terá contribuído para ampliar o repertório do filme brasileiro de grande público, limitado neste século, praticamente, a comédias.
Silvio
Avaliação Bom
Quando Estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas
Classificação 14 anos
Elenco Rodrigo Faro, Paulo Gorgulho, Polliana Aleixo
Produção Brasil, 2024
Direção Marcelo Antunez