BAURU, SP (FOLHAPRESS) – Considerado um herói nacional e um dos líderes fundadores de Israel, Shimon Peres (1923-2016) está sendo acusado de assédio sexual. Primeiro-ministro israelense por três vezes, presidente entre 2007 e 2014 e vencedor do Nobel da Paz em 1994, Peres teria tentado iniciar contato sexual não consentido com uma ex-diplomata em pelo menos duas ocasiões.
Colette Avital, 81, que foi membro do Knesset (o Parlamento de Israel), ocupou vários cargos no Ministério das Relações Exteriores e concorreu à Presidência do país em 2007, denunciou a conduta de Peres em uma entrevista ao site israelense Haaretz, que publicou parte do relato nesta quinta-feira (7).
Segundo ela, o primeiro episódio de assédio ocorreu no início dos anos 1980, quando o então premiê estava hospedado em Paris, onde Avital compunha a missão diplomática de Israel. A embaixadora disse ter sido convidada para jantar com Peres, mas, ao chegar ao hotel, foi informada de que a reunião seria no quarto do primeiro-ministro “por motivos de segurança”.
Vestindo um pijama, de acordo com o relato de Avital, o primeiro-ministro a empurrou para a cama. A diplomata então resistiu à investida e saiu agitada do quarto. “Demorou alguns segundos”, disse ela ao Haaretz, acrescentando que comunicou ao então assessor de Peres que, na próxima vez que o premiê viesse a Paris, não aceitaria ficar sozinha com ele.
Mais tarde, em 1984, Avital voltou a Israel depois de três anos na capital francesa. À época, Peres acabara de ser escolhido como chefe do novo governo depois de dois meses como premiê interino após a renúncia de Yitzhak Rabin. Avital tentou negociar com o novo gabinete para obter um cargo na administração do país, mas foi informada de que o fato de ser mulher seria uma barreira para uma possível nomeação.
Ao Haaretz, ela disse que, durante uma reunião com Peres após a negativa, o premiê fez uma nova investida. “Ele me prendeu contra a porta e tentou me beijar. Minhas pernas tremiam quando saí, isso me causou repulsa”, contou Avital.
Em outros trechos da entrevista mencionados pelo site Times of Israel, a diplomata foi questionada sobre seus motivos para pensar em voltar a trabalhar com Peres mesmo após o episódio em Paris. “Eu não imaginei que ele tentaria novamente. Naquela época, eu o admirava bastante, em termos de pensamento, talento e criatividade. Para mim, ele foi o modelo de um estadista israelense aberto e atencioso”, disse Avital. “[Eu não contei a ninguém] porque teriam rido de mim, essas eram as normas.”
A ex-parlamentar citou ainda outros incidentes envolvendo assédio sexual por parte de seus superiores durante o período em que serviu no Ministério das Relações Exteriores. Ela também desmentiu, mais uma vez, rumores que persistiram ao longo dos anos sobre um suposto relacionamento afetivo com Peres.
“O que mais me incomodava era que, Deus me livre, eles pensassem que eu devia algum favor a ele, que ele era meu padrinho e que, por causa dele, eu estava progredindo na vida”, disse.
A denúncia de Avital traz características que, em geral, estão presentes nos relatos de outras vítimas de assédio sexual. Há, por exemplo, o medo de que as acusações sejam recebidas com descrédito, os questionamentos sobre o tempo de espera para tornar a denúncia um caso público e, especialmente em ambientes tradicionalmente masculinos, como a política, o temor de que o sucesso de uma mulher seja condicionado a supostos favores sexuais ou relacionamentos com homens em posições de poder.
Embora o legado de Shimon Peres não seja uma unanimidade em Israel, ele se tornou ao longo dos anos uma das figuras políticas mais populares do país, não apenas pelos cargos que ocupou em diferentes esferas do Estado israelense mas pelo papel que desempenhou em episódios como os Acordos de Oslo. O tratado, assinado em 1993, celebrava a pacificação entre israelenses e palestinos e rendeu a Peres, Rabin e a Yasser Arafat o Nobel da Paz no ano seguinte.
Apesar de ter discursado ao redor do mundo como um baluarte da coexistência entre palestinos e israelenses, Peres também é considerado um dos mentores da campanha militar do Sinai, em 1956, e o idealizador da política de assentamentos que, ainda hoje, é apontada como um dos principais entraves à paz no Oriente Médio.
Em entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo, em outubro de 2013, Peres insistiu que, apesar da idade (90 anos, à época), não cederia ao pessimismo daqueles que acreditam não ser possível estabelecer a paz na região. Havia, para o então presidente israelense, duas questões em que se deve fechar os olhos e se entregar. “O amor e a paz”, afirmou à reportagem. Três anos depois, ele morreu em um Estado ainda em conflito.
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