VITOR MORENO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O eixo Rio-São Paulo sempre dominou o horário nobre da televisão brasileira. Afinal, é onde estão concentradas as sedes das maiores emissoras e produtoras nacionais, o que tornou bissextas as oportunidades de se visitar outras paisagens e culturas por meio da telinha.
Mas se tem uma coisa que “Pantanal” vem provando é que o interesse de quem está assistindo existe. A novela, cujo núcleo principal se passa no bioma que dá nome à trama e foi gravada na região de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, vem garantindo ótimos índices de audiência à Globo, assim como ocorreu com a primeira versão, exibida em 1990 pela extinta Manchete.
Essa disposição do público também vem sendo acompanhada pelo streaming, que igualmente tem apostado em diversificar os cenários e tipos humanos que vemos nas séries. A Netflix, que investe em produções brasileiras originais desde 2015, é um bom exemplo desse movimento.
Entre as estreias anunciadas para este ano, haverá produções que tiveram locações no Ceará, Goiás e Pará. A diversidade poderá ser observada não apenas pelas paisagens diferentes, mas pelos figurinos e pela caracterização, o que vem demandando um trabalho de pesquisa mais elaborado.
Cris Garrido foi a responsável pelo figurino de “O Cangaceiro do Futuro”, gravada na região de Quixadá (interior do Ceará). A série contra a história de Virguley (Edmilson Filho), que volta ao passado e aproveita sua semelhança com Lampião para se passar por ele.
Uma de suas referências foi a coleção “Lampião e Maria Bonita, os Reis do Cangaço”, lançada no fim dos anos 1960 por Zuzu Angel, estilista que tinha verdadeiro fascínio pela estética do cangaço –um ponto em comum com Garrido.
“Este universo sempre me interessou muito por toda a sua beleza e riqueza”, comenta. Ela também mergulhou fundo no livro “Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço”, de Frederico Pernambucano de Mello, historiador e dono do maior acervo de peças reais de Lampião, Maria Bonita e seu bando.
A partir dessa pesquisa inicial, começou a caça às peças que iriam aparecer em cena. “Não temos roupas que retratam essa época, é difícil encontrar objetos do período, então temos que construir tudo praticamente do zero.”
Havia um desafio extra: trabalhar com vários planos temporais, o do presente –em que Virguley se apresenta como Lampião em shows– e o de 1927, que tem o bando verdadeiro de Lampião e o “fake”. “O mais difícil foi diferenciar esses três bandos”, afirma.
SOFRÊNCIA
Do arrasta-pé do interior do Nordeste para a sofrência do Centro-Oeste. A série “Só Se For Por Amor” tem como pano de fundo os bastidores da música sertaneja e teve gravações no estado de Goiás, um dos berços do ritmo.
A trama é centrada em Deusa (Lucy Alves) e Tadeu (Filipe Bragança), um casal apaixonado que decide criar uma banda. Só que ela recebe uma proposta para se lançar em carreira solo e a relação começa a sofrer abalos.
Figurinista da série, Kika Lopes diz que a caracterização dos personagens reflete o universo sertanejo de forma sutil. “Tentamos fazer uma coisa muito atemporal, não seguindo nenhum tipo de tendência de moda ou de cópias de figurino”, afirma.
Cantoras consagradas no gênero serviram de inspiração para a imagem da protagonista. “A Deusa, quando começa a ficar mais famosa, passa a ter mais umas pitadinhas do sertanejo”, adianta. “Tipo as nossas musas da sofrência.”
“Colocamos um chapéu, uma bota, detalhes de figurino que vão trazendo, aos poucos, essa atmosfera para a vida da Deusa”, explica. “Tudo fruto de nossa pesquisa sobre esse universo de Goiás.” Não que as pesquisas tenham se concentrado somente no estado, pelo contrário.
Como os integrantes da banda vêm de diferentes partes do país, as referências de cada lugar foram reforçadas por meio do figurino usado pelo elenco, formado, em sua maioria, por atores que também são músicos. “Bebemos muito da experiência que eles já têm dentro do cenário musical brasileiro”, diz.
FANTASIA
Por sua vez, David Parizotti, responsável pelo figurino de “Cidade Invisível”, trata de um universo muito mais onírico. A série, que em breve volta para uma segunda temporada, une mistério e investigação com elementos do folclore brasileiro, representado por personagens como Cuca, Yara e Curupira.
Na primeira temporada, a ação estava centrada no Rio de Janeiro, mas agora ele adianta que a série terá cenas em Belém do Pará. “Tudo se altera, principalmente as temperaturas, as águas, os rios, florestas e mistérios seculares dessa nova cidade”, comenta.
Ele conta que é possível perceber a evolução de alguns personagens por meio das roupas com que vão aparecer na tela. “Pelo figurino de Inês [a Cuca vivida por Alessandra Negrini], vemos que nossa Borboleta está mais azul que negra, altiva, como são as borboletas das florestas”, conta.
Para Parizotti, um dos principais desafios foi fazer o público esquecer das imagens que ficaram marcadas de algumas das figuras folclóricas mais conhecidas. Esqueça, por exemplo, a Cuca que aterrorizou quem foi criança nos anos 1980 e assistia à versão para a TV de “Sítio do Pica-pau Amarelo”. “Ela não era um jacaré”, assegura.
Ele reafirma a importância da pesquisa no trabalho do figurinista. “Basicamente, é um exercício de imersão”, afirma. “Não apenas naquilo que já nos foi passado didaticamente na infância, em programas de TV ou em obras já muito famosas por tratarem de temas assim. Devemos, como eu brinco em dizer, ‘esquecer um pouco Monteiro Lobato’ e ir a fundo nas fontes onde ele próprio pesquisou.”
Uma de suas principais referências foi o “Dicionário do Folclore Brasileiro”, de Câmara Cascudo, além de livros sobre o assunto garimpados em sebos e também pela sabedoria popular. “Fizemos pequenas viagens para ouvir esses ‘causos’ de pessoas de gerações diversas, de cidades do interior”.
Ele diz que as peças usadas surgem de lojas, brechós ou de confecções, entre outros, com algumas precisando passar por alterações como envelhecimento e pigmentação. “Sem isso, as entidades não se dão por satisfeitas”, brinca.
“O figurino dos encantados como Inês, envolve muitas pesquisas, criações de ateliê e foram passo a passo se compondo, se resolvendo”, diz. “Mas sempre após muitas pesquisas, provas de figurino, evoluções que nos chegam aos poucos, percepções e ideias que tem todo um tempo para acontecer.”
OUTRO RIO
Apesar de ter diversificado as locações, o Rio de Janeiro não foi abandonado como cenário. Porém, a cidade pode ser vista por outros ângulos além dos já batidos bairros abastados da zona sul ou das favelas cariocas.
“Maldivas”, por exemplo, vai ser focada na emergente Barra da Tijuca, em um condomínio de luxo que reunirá as personagens de um elenco repleto de ex-globais, como Bruna Marquezine, Manu Gavassi, Sheron Menezzes, Carol Castro e Vanessa Gerbelli. À la “Desperate Housewives”, a série buscará mostrar que, a aparência de “vida perfeita” não se sustenta para elas quando se olha um pouco mais de perto.
A figurinista Ellen Milet conta que a inspiração para as roupas das personagens veio de fora do país. “Miami foi meu ponto de partida para a pesquisa”, revela. “O ambiente criado para a série tinha um clima um pouco americanizado, e Miami sempre foi uma referência.”
Ela garante que as personagens, todas mulheres ricas e plastificadas, que a princípio podem parecer todas iguais, chegaram para ela com personalidades muito definidas pela autora Natália Klein. “Quando as histórias delas são contadas, você entende claramente quem é quem e qual o estilo de cada uma”, afirma. “O figurino apenas sublinhou as características descritas no texto.”
Apesar de ser tecnicamente um figurino mais cosmopolita, Milet afirma que “nada foi fácil nessa série”. “Começamos a gravar no meio da pandemia, com rigorosos protocolos de segurança, o comércio em situação muito difícil, muitas marcas não tinham sequer produtos para nos atender”, lamenta.
“Montamos um ateliê de costura dentro do cômodo de guarda-roupa da série, confeccionamos muitas peças e tivemos um braço de produção de moda em São Paulo, liderado pelo [estilista] Dudu Bertholinni e pela [stylist] Cinthia Kiste, que nos enviaram muitas peças”, comenta.
Milet, que começou no cinema e fez muitos figurinos para séries e novelas da Globo, avalia que é mais difícil uma série ditar tendência e transformar um produto específico em um estouro de vendas nas lojas populares, como já ocorreu com várias peças de dramalhões populares da TV aberta.
“A novela tem uma dinâmica muito diferente de série, o que muda muito a relação do público com os personagens e seus figurinos”, analisa. “Séries são obras fechadas, você pode assistir em uma única noite todos os episódios, e acredito que isso muda muito a relação com o consumo das peças.”
Porém, ela acredita que é possível uma série se tornar referência de estilo e tem uma aposta. “Em ‘Maldivas’, algumas peças do figurino são como personagens, como as botas da Liz [personagem de Bruna Marquezine], que aparecem bastante e podem se tornar um objeto de desejo”, afirma.
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