WEUDSON RIBEIRO
BRASÍLIA, DF (UOL/FOLHAPRESS) – A socióloga Izabel Accioly, 34, relatou nas redes sociais ter perdido uma oportunidade de trabalho como palestrante em uma empresa de grande porte por ser negra. O desabafo dela viralizou e mostrou uma situação explícita de racismo. “A sensação é de impotência. Parece que não importa o quanto eu estude, me qualifique e me esforce, não há espaço para pessoas como eu”, diz à reportagem.
Mestre em antropologia pela UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos), Izabel conta que foi contatada, no fim de agosto, por uma representante comercial de uma empresa que estava sondando nomes para ministrar uma atividade sobre diversidade. Na ocasião, a funcionária pediu um orçamento à socióloga.
A resposta da empregadora chegou quase um mês depois, via e-mail. No print de uma conversa feito por Izabel, a funcionária responsável pela contratação agradece a disponibilidade da pesquisadora e informa que não fecharia a atividade com ela, pois daria preferência a palestrantes brancos.
“Foi uma decisão difícil, porém, por se tratar de uma palestra em que o público-alvo são pessoas brancas, para a gente faz sentido que o/a palestrante também seja, considerando que alguns estudos já trazem essa afirmação de que costumamos ouvir com maior atenção o nosso semelhante”, diz trecho do email. Para evitar represálias judiciais, ela preferiu não revelar o nome da possível contratante.
“No momento em que tive esse retorno fiquei em choque. Se os colaboradores da empresa são brancos, eles precisam ter contato com um ponto de vista diferente do que eles já conhecem, e não a perspectiva de mais uma pessoa branca”, afirma Izabel.
‘MULHERES NEGRAS ESTÃO NA BASE DA PIRÂMIDE’
A psicóloga Cida Bento, autora do livro “O Pacto da Branquitude” (ed. Companhia das Letras), diz que, apesar de o público branco ter passado a exigir cada vez mais pluralidade das empresas, negros ainda são preteridos em processos seletivos por causa de um processo de racismo não verbalizado que faz com que brancos deem preferência a outros brancos para os melhores postos.
“Quando uma empresa diz que a questão de gênero está melhorando, não é a mulher negra que está entrando, são as brancas. As mulheres negras estão na base da pirâmide. É o segmento com menos possibilidades, o mais afetado pela discriminação em qualquer nível. Queremos trazer as mulheres negras para outros lugares dentro do mercado de trabalho e também diminuir a desigualdade de salários e cargos”, explica.
Diretor do Instituto Luiz Gama, o advogado Júlio César Santos também considera que Izabel passou por um episódio de discriminação, um reflexo, diz ele, da violência organizacional de instituições que mantêm negros distantes dos ambientes de influência econômica, social e política. “Infelizmente, não é um caso isolado. Ainda há empresas que, conscientemente ou não, pactuam com a concepção meritocrática da branquitude, impedindo o avanço de pessoas negras”, diz.
DISCRIMINAÇÃO POR RAÇA É CRIME
A lei determina que fica sujeito a penas de multa e de prestação de serviços à comunidade quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego.
No entanto, advogados consultados pela reportagem apontam que a demora no trâmite de processos sobre racismo na Justiça e o medo de retaliação levam profissionais a não denunciarem. Izabel se vê neste grupo e descarta acionar a Justiça sobre o caso. “Bem que eu queria, mas não acho que tenho chance numa briga judicial contra uma empresa grande. Não foi a primeira vez que deixei de ser contratada por ser uma mulher negra”, diz.
Advogada com foco nas áreas de raça e gênero, Juliana Souza diz que a composição majoritariamente branca do sistema de Justiça brasileiro faz com que vítimas de racismo acabem tendo processos prescritos ou desclassificados pela interpretação subjetiva do julgador.
Por sua vez, o pesquisador em direito Cleber Julião aponta a ausência de literatura “sensível ao tema do racismo” também como um entrave às denúncias. “Ou o Judiciário está limitado ao mundo jurídico em seu sentido estrito ou está influenciado pelo senso comum acerca das relações raciais para fundamentar as suas decisões”, pontua.
Na mesma linha, Fabiano Machado da Rosa, advogado especialista em compliance antidiscriminatório, afirma que o grande problema da lei brasileira é que ela não é objetiva. “Depende da interpretação. E tem um ponto central desse problema, que é o seguinte: a maior parte dos delegados, promotores e juízes são brancos”, diz.
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