Os seis irmãos do metalúrgico Paulo Corrêa, nas- cido em São Bernardo do Cam- po (SP), trabalharam na indús- tria automobilística. Em 1979, ele foi transferido da fábrica da Ford em sua cidade natal para a unidade de Taubaté (SP), onde permaneceu até a aposentadoria. Fazia planos para os três filhos trabalharem na empresa, mas só a caçula seguiu o mesmo caminho.
Com 33 anos, a filha Pamella Corrêa ingressou na Ford como jovem aprendiz há quase 20 anos. A metalúrgica é um dos cerca de 800 trabalhadores da montadora que perderão o emprego após a saída da empresa do Brasil, anunciada pela companhia em janeiro.
“Eu fui criado na indústria automobilística. Todo o mundo falava que, se eu quisesse me dar bem na vida, tinha que ser metalúrgico. É uma quebra do sistema”, afirma o pai.
Na semana passada, Taubaté, com aproximadamente 320 mil habitantes e a cerca de 130 km de São Paulo, viu o episódio do início do ano se repetir com a divulgação do encerramento global da divisão de smartphones da LG e a transferência para Manaus das linhas de produção de monitores e notebooks da marca.
Cerca de 700 empregados diretos da LG no município deverão ser demitidos, segundo o Sindmetau, sindicato dos metalúrgicos da cidade. São 400 que atuam na produção de celulares e 300 com monitores e notebooks.
A empresa sul-coreana se ins- talou em Taubaté em 1997. Segundo a LG, a mudança para Ma- naus deve acontecer até junho, e ainda não há data para desativar o setor de smartphones.
No comunicado em que anuncia a decisão de encerrar a divisão de celulares, a companhia diz que desde o segun- do semestre de 2015 o setor tem sofrido perda operacional por 23 trimestres consecutivos.
Ao anunciar a transferência de notebooks e monitores para Manaus, a LG afirmou que a ação visa fortalecer sua competitividade comercial em televisões e computadores.
O cenário de fechamento das indústrias é agravado na cidade do Vale do Paraíba pelas restrições no comércio durante a pandemia, segundo Lúcia Pezella, secretária municipal de Desenvolvimento e Inovação.
“Nossa matriz econômica está principalmente na indústria e no comércio. Não consigo precisar a queda na arrecada- ção, mas é geral. Estamos com o problema pontual das empresas que estão saindo e com o problema global da falta de arrecadação na pandemia”, diz.
Segundo Pezella, a cidade passa por um processo de desindustrialização há quase dez anos. Ela afirma que uma das tentativas da atual gestão é reestruturar a grade curricular da Escola do Trabalho, instituição de cursos técnicos mantida pela prefeitura. A ideia é incluir disciplinas que tratam de empreendedorismo.
“Nem todas as pessoas serão empregadas em algum lugar e têm de se preparar para empreender”, diz.
Casado com Pamella Corrêa, Rodrigo Silva é formado em teologia, mas começou a trabalhar na Ford de Taubaté em 2009 por indicação da esposa. Ele também será demitido. O casal fez vários cursos de especialização e pós-graduações ao longo do período na multinacional.
O plano dos dois agora é prestar assessoria para melhorar os processos em empresas de diferentes setores. “Vamos trabalhar sem investir capital, só com o nosso capital intelectual. Como eu vou pegar a minha vida na Ford, que ela está me revertendo em rescisão, e aplicar em alguma coisa? Está muito incerto”, afirma Silva.
Após 25 reuniões de negociação entre a montadora e o Sindmetau, os trabalhadores da Ford aprovaram na terça (6) um plano de indenizações apresentado pela companhia.
Segundo a entidade, além da rescisão, os funcionários horistas vão receber dois salários adicionais por ano trabalhado. Para os mensalistas, o valor será de um salário adicional. Nos dois casos, a proposta da Ford prevê indenização mínima de R$ 130 mil.
Trabalhadores da fábrica que serão demitidos consideram difícil conseguir novos empregos em indústrias na região. Uma opção, para Douglas dos Santos, que trabalha na Ford há mais de 15 anos, é prestar serviços como mecânico no galpão que tem construído aos poucos em um terreno que comprou há dez anos.
“É uma loteria arrumar um emprego que seja na redondeza, mesmo com metade do salário que a gente ganhava. Hoje, em plena pandemia, é uma missão quase impossível”, afirma.
Casado e com um filho de 11 anos, o metalúrgico começou fazendo reparos em um carro antigo e fez um curso de mecânica enquanto trabalhava na fábrica. Santos tem atendido colegas de trabalho e conhecidos, mas diz que a ideia de montar sua própria oficina ainda gera insegurança.
O profissional foi um dos convocados para voltar ao trabalho na montadora em 22 de fevereiro, quando os turnos foram retomados para a produção de peças de reposição.
Em Taubaté, a Ford produzia motores e transmissões. A empresa iniciou operação no município em 1967 após comprar o controle da Willys-Overland do Brasil e fabricava inicialmente peças de fundição e componentes de chassis.
No comunicado sobre o encerramento de todas as atividades fabris no país, a Ford afirmou que a decisão aconteceu em meio à pandemia da Covid-19, a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução de vendas.
Segundo Santos, a rotina tem sido descartar peças que sobraram, limpar as áreas de produção e jogar motores inteiros na sucata. “É voltar só para tapar o caixão. É um sentimento horrível porque você vê tudo escorrendo pelo ralo e não pode fazer nada”, diz ele.
Leandro Monteiro, 39, também funcionário da Ford, afirma que teme um efeito cascata em outras indústrias do Vale do Paraíba após o encerramento da empresa e, mais recentemente, da LG. Viúvo e com três filhos, ele diz que desde criança sonhava em trabalhar na montadora e seguir o exemplo do pai, que se aposentou na empresa em 2014.
“Eu estou digerindo tudo isso. Se eu tivesse só o meu filho mais velho, de 17 anos, eu sairia de Taubaté. Agora, eu não sei o que vou fazer. Fora do Brasil temos uma perspectiva melhor de vida, mas pretendo ficar por enquanto”, conta.
O pessimismo com as perspectivas para a cidade atinge também os estabelecimentos no centro, sob a fase emergencial das medidas de restrição para conter a pandemia.
Gerente da ótica Gold Finger há 27 anos, Daniela da Silva diz que muitos de seus clientes trabalham na LG e na Ford. Segundo ela, a loja, que está operando com retirada e entrega de produtos, sente o impacto nas vendas para esse grupo, somado ao prejuízo da pandemia.
“A gente começa a notar pela inadimplência desses clientes. Neste mês, depois da notícia da LG, tivemos uma quantidade maior de cartas de cobrança. Estão com medo de não receber salário”, afirma.
O presidente da Acit (Associação Comercial de Taubaté), Ricardo Vilhena, chama de terrível a situação na cidade. Ele diz que a entidade está perdendo associados que fecharam seus negócios ou que buscam reduzir custos.
A Acit estima que cerca de R$ 150 milhões por ano deixarão de ser injetados em Taubaté com a saída apenas da Ford. O cálculo considera um salário médio de R$ 5.000 para funcionários da empresa e de R$ 2.000 para trabalhadores indiretos. Segundo a projeção, 5.000 profissionais diretos e indiretos serão afetados.
“A diversificação da matriz econômica da cidade deveria ter começado há 10, 15 anos para minimizar esses impactos”, diz Vilhena. Segundo ele, a lon- go prazo, a ideia é resgatar a relevância do agronegócio na região e fortalecer o turismo.
Vilhena diz que a Acit criou uma diretoria de agronegócio no começo do ano para articular ações com outras entidades do setor.
“Também temos trabalhado para que Taubaté receba o selo MIT [Município de Interesse Turístico] do governo de São Paulo”, afirma.
As cidades com o certificado podem receber investimentos para aumentar o fluxo de visitantes e melhorar a atividade turística.
O dirigente aguarda as negociações com a LG para mapear o impacto em Taubaté. Segundo o Sindmetau, que também representa os trabalhadores da multinacional sul-coreana, as conversas neste momento abrangem pontos como indenização, plano médico e qualificação profissional.
Uma funcionária da divisão de smartphones da LG, que preferiu não se identificar, planeja deixar o país até o fim do ano. Seu marido, metalúrgico na Ford, também será demitido. Nascida e criada em Taubaté, ela nunca saiu da cidade.
Ela, que diz sentir que não tem mais nada na cidade, afirmou que irão se mudar “com a cara e coragem”.
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