PEDRO STRAZZA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A série “The Last of Us”, atualmente em exibição na HBO, vem acumulando elogios dos fãs. É um feito raro para uma produção audiovisual baseada nos videogames, algo ainda mais impressionante considerando que um dos pontos mais elogiados pelo público é a fidelidade em relação ao jogo original.
Isso porque programas de TV e filmes inspirados no formato no geral são muito criticados pelas liberdades criativas da adaptação. O seriado criado por Craig Mazin e Neil Druckmann, por sua vez, vai na via contrária, repetindo até mesmo cenas famosas do game da Naughty Dog.
Mas a alta fidelidade não esconde algumas mudanças pontuais feitas pelos showrunners para tornar a série minimamente independente do jogo. Boa parte, aliás, expande a trama para outras perspectivas dentro do mundo que foi derrubado pela disseminação de um fungo mortal.
Um ótimo exemplo é o terceiro episódio do programa, o elogiado “Long, Long Time”. A história de amor entre os personagens Bill e Frank é apenas mencionada no jogo, que proporciona um desfecho diferente.
Este texto pode conter spoilers da série e dos jogos.
Ao invés de morrerem juntos, o Frank dos games se enforca sozinho ao descobrir que foi infectado, e os protagonistas Joel e Ellie são ajudados por Bill quando se aventuram na propriedade.
A cena que abre o piloto da série também não existe no original. A sequência, uma longa conversa entre dois cientistas em um programa de TV do fim dos anos 1960, discute a possibilidade de uma pandemia causada por fungos em um cenário de agravamento do aquecimento global. É uma explicação “teórica” que introduz ao público o conceito do apocalipse fúngico que será pano de fundo da trama.
A lógica se repete na introdução do segundo episódio, que de novo ilustra o cenário tomando distância dos protagonistas. A trama passada na Indonésia, que mostra a origem da infecção e o que aconteceu com as grandes cidades atingidas por ela, é outra invenção feita para o seriado.
A pandemia em si, aliás, foi alterada. A contaminação, contrariando o jogo, não se dá por ar na série, o que foi bastante discutido pelos fãs nas semanas anteriores ao lançamento de “The Last of Us”.
Outra diferença é que o fungo atua como inteligência coletiva na série, permitindo aos zumbis se comunicarem mesmo à distância.
Foi uma forma criativa de dar mais peso à morte de Tess, que acompanha Joel e Ellie nos dois primeiros episódios. A personagem é morta da mesma forma nas duas mídias, ficando para trás depois de ser infectada pela doença, mas salva os protagonistas dos zumbis na TV e dos militares no jogo.
A alteração rende um dos momentos originais e mais perturbadores do programa até aqui: o beijo de um infectado em Tess, pouco antes da última garantir que ela e as criaturas morram em uma explosão.
Os criadores também mexeram na linha do tempo da trama, preservando o intervalo de 20 anos do prólogo com os eventos principais. Assim, enquanto o jogo se passa no mesmo ano de seu lançamento, 2013, começando a pandemia em 1993, a série acontece em 2023 e inicia o cataclisma em 2003.
Outras adaptações acontecem para dar fluidez à narrativa.
O quarto e quinto episódios, por exemplo, promovem uma mudança geográfica no trajeto percorrido pelos protagonistas. No lugar de Pittsburgh, é em Kansas City que o Joel e a Ellie do seriado encontram um núcleo de cidadãos que, sob a bandeira da “resistência”, derrubam a ocupação militar para administrar a região.
Esse grupo também é melhor contextualizado. Ao invés de meros vilões, os capítulos mostram que o grupo está atrás de pessoas que espionaram sua organização em favor do governo, com execuções aos que confessam os crimes. Isso inclui Henry e Sam, personagens cujos arcos dramáticos –e trágicos– foram preservados do jogo para o seriado.
A primeira temporada incorpora ainda alguns elementos da sequência do game, lançado em 2020 pela Naughty Dog. O sexto episódio, “Kin”, apresenta uma comunidade de sobreviventes no Wyoming que só será vista em “The Last of Us Part 2”.
A decisão foi a forma encontrada por Mazin e Druckmann para descomplicar o trajeto dos personagens, além de facilitar a introdução de Tommy, irmão de Joel, na trama do presente. Sua figura é importante na continuação, o que na série só acontecerá na próxima temporada.
No jogo, enquanto isso, Tommy e a esposa, Maria, são encontrados em uma hidrelétrica, protegendo o local de zumbis para garantir o fornecimento de eletricidade à comunidade.
Assim, a decisão frustrada de Joel em deixar Ellie com o irmão acontece em meio a cenas de ação, o que na TV é feito pelo drama tradicional. Os últimos três episódios do primeiro ano, ainda para serem exibidos, mantém este esperto raciocínio.
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