SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça da Rússia baniu nesta quarta (9) as duas organizações ligadas a Alexei Navalni, tachando-as de “extremistas” e efetivamente liquidando o trabalho do mais barulhento opositor de Vladimir Putin.
Com efeito, a decisão ocorreu uma semana antes de o presidente russo se encontrar com seu colega americano, Joe Biden, na primeira reunião de cúpula dos dois líderes, em Genebra.
O Judiciário russo, ainda que formalmente independente, é alinhado ao Kremlin. A decisão da Corte Municipal de Moscou foi tomada em uma sessão secreta de 12 horas, e atingiu o Fundo Anticorrupção de Navalni e uma entidade associada, a Organização de Proteção dos Direitos dos Cidadãos.
O fundo já vinha operando sob a classificação de “agente estrangeiro” desde 2019. Assim, suas contas eram fortemente auditadas e os movimentos de seus integrantes, monitorados legalmente.
Navalni em si está preso, por ter violado a condicional de uma condenação antiga que havia sido suspensa no tempo em que, em coma, foi levado para tratamento na Alemanha por ter sido envenenado na Sibéria.
Ele acusa Putin pelo episódio, que tornou-se uma das bandeiras de Biden ao endurecer os termos considerados maleáveis de seu antecessor Donald Trump com Moscou. Além de estabelecer sanções devido ao caso, chamou o líder russo de assassino.
O fundo de Navalni irrita Putin desde 2017, quando começou a bancar vídeos jornalisticamente duvidosos mas altamente virais sobre as fortunas de agentes públicos -inclusive Putin, que usaria um palácio na costa do mar Negro.
Mais do que isso, o advogado e blogueiro levou milhares às ruas naquele ano, em atos contra a corrupção organizados pela internet. Sua operação sempre foi nebulosa, e as autoridades focaram em questões de financiamento.
Houve uma redução na atividade, mas os protestos volta e meia irrompiam, e se tornaram enormes no começo deste ano, quando Navalni foi detido ao sair do avião vindo do exílio médico na Alemanha. Depois, ele pegou dois anos e meio de cadeia numa colônia penal, e quase morreu durante uma greve de fome.
Além disso, o grupo de Navalni lançou com sucesso relativo em 2019 a campanha do Voto Inteligente, que basicamente consistia em incentivar qualquer candidato que pudesse bater o partido governista Rússia Unida em eleições locais.
Houve sucessos, o Kremlin reagiu montando um segundo partido de apoio, mas o grande teste seria a eleição parlamentar de setembro deste ano. Agora, com a desmobilização dos opositores, fica a incógnita sobre o que irá acontecer.
Navalni nunca foi uma figura popular em pesquisas independentes. Mas teve sua candidatura ao Kremlin barrada em 2018 e sofreu todo o processo que culminou no julgamento desta quarta, o que indica o temor oficial de que ele seja um canal para a insatisfação popular após 21 anos de Putin no poder.
Não é só Navalni. Um opositor distante do ativista, Dmitri Gudkov, fugiu para a Ucrânia na semana passada, temendo o que chamou de caso criminal montado contra ele após ser detido.
Já Andrei Pivovarov, que liderou um grupo de oposição chamado Rússia Aberta, foi preso antes da decolagem de um avião que o levaria para a Polônia na semana passada.
Numa investigação contra seu grupo, já dissolvido, ele pode pegar até seis anos de cadeia, dando a medida da repressão em curso hoje na Rússia.
Biden adotou Navalni como símbolo de sua pressão sobre a questão dos direitos humanos na Rússia, e já disse que irá falar do tema com Putin.
O russo não parece concordar. Além dos sinais, que se somam ao anúncio de 20 novas bases militares perto de suas fronteiras europeias, ele concedeu uma reveladora entrevista no canal estatal de TV Rússia-24 nesta mesma quarta.
Nela, ele deixou claro que a questão da Ucrânia será central. Em 2014, Putin caiu em desgraça no Ocidente quando um governo pró-Moscou foi derrubado em Kiev e ele retaliou anexando a Crimeia e fomentando a guerra civil no leste do país vizinho.
Cerca de 14 mil pessoas já morreram no conflito, ora congelado, mas que quase foi reativado neste ano. Ante a mobilização de forças ucranianas perto das áreas dominadas por rebeldes pró-Rússia, Putin ordenou a concentração de talvez 100 mil homens em sua fronteira com o vizinho.
A Otan (aliança militar ocidental) entrou em alerta e a tensão só foi dissipada quando, dado o recado e mantida a ameaça, os russos desmobilizaram –deixando para trás, contudo, equipamentos para um grande exercício previsto para setembro, no qual participa outro calo no pé europeu, a ditadura da Belarus.
Ali, Putin deu apoio ao aliado Aleksandr Lukachenko em sua repressão ao dissenso doméstico, que surgiu na forma de grandes atos depois da eleição fraudada de agosto passado e chegou ao paroxismo de desviar um voo comercial irlandês para prender um passageiro.
O russo sonha com uma união dominada por ele com a Blearus. No caso ucraniano, queixou-se na entrevista de uma nova lei que prevê o registro de todos, mesmo aqueles com passaporte russo nas áreas rebeldes, como cidadãos ucranianos.
E explicitou as razões geopolíticas pelas quais não quer a Otan absorvendo a Ucrânia: em talvez sete minutos mísseis ocidentais baseados em Kharkov estariam sobre sua cabeça.
As duas ondas de expansão ao leste da Otan, disse, “ocorreram mesmo quando a relação entre a Rússia e o Ocidente era satisfatória”. “Não quero usar palavras duras, mas eles simplesmente cuspiram em nossos interesses, e foi isso”, disse o presidente.
Biden quer posar de líder firme no seu grande teste externo, visando principalmente a audiência na sua rival maior, a China. Pelas palavras e ações de Putin, talvez não seja tarefa fácil.
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