RIO DE JANEIRO, RJ, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Renata Lilian de Almeida, 41, sente falta de pão. Não pode mais comer farinha de trigo. No máximo, a de amêndoas, mas essa custa R$ 90 o quilo. Nem fruta ela consegue degustar direito. “Basicamente, só pode abacate, morango, limão e maracujá.”
Renata está no sétimo mês de gravidez. Ainda no comecinho, descobriu que tinha diabetes gestacional, daí a dieta rigorosíssima. Com o diagnóstico, ela se credenciou para o grupo prioritário da vacinação contra a Covid-19: uma gestante com comorbidade.
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Nesta terça (11), foi a uma Unidade Básica de Saúde em Pirituba (zona norte de São Paulo) para se vacinar contra a Covid-19, uma doença que já matou 452 grávidas no Brasil só em 2021, mais do que as 252 vítimas que esperavam um filho no primeiro ano pandêmico, segundo dados do governo federal.
Voltou sem picada no braço. A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo decidiu suspender temporariamente a imunização em sua categoria justo no dia em que ela começaria. A decisão veio após o Ministério da Saúde anunciar que investiga se uma grávida morreu após receber a vacina da Oxford/AstraZeneca -a mesma que teve restrições também na Europa, ao ser relacionada a coágulos muito raros, porém graves.
A vítima não teve identidade nem a causa da morte reveladas. A comunidade médica suspeita de trombose, cujo risco já é maior durante qualquer gestação.
Na noite de terça, a pasta decidiu restringir a vacina contra a Covid-19 a grávidas com comorbidades e às vacinas Coronavac e da Pfizer.
“O episódio me faz sentir muita tristeza, assim como as mais de 400 mil mortes por Covid-19. Mas ainda acredito que os benefícios são maiores do que os riscos”, diz Renata, que, mesmo sabendo da orientação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a paralisação da vacina da Oxford, arregaçaria as mangas para tomá-la.
O sentimento de Renata reflete o de muitas grávidas, e também obstetras, que temem pela suspensão das doses num momento crítico da pandemia. Pior: não bastasse sustar aplicações da Oxford/AstraZeneca no grupo, estados como São Paulo e Rio de Janeiro foram além e suspenderam por ora também toda a vacinação de gestantes com comorbidades. Imunizantes da Pfizer/BioNTech e Coronavac são outros em uso no país.
“É o fim da picada”, diz a obstetra Melania Amorim, professora da Universidade Federal de Campina Grande (PB) e parte da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras. “Por conta de um caso que sequer foi investigado ainda, vem a recomendação para suspender.”
Para Amorim, a conta não fecha: grávidas têm mais chance de morrer com a Covid, então valeria imunizá-las mesmo considerando eventual efeito colateral de um laboratório específico –no entanto, o evento adverso não foi comprovado nem esclarecido para que se possa fazer uma análise mais precisa de risco-benefício. “Nesse contexto, qualquer ‘vacinólogo’ vai dizer que a melhor vacina é a que chega mais rápido no seu braço.”
No da arquiteta Natally Moraes de Oliveira, 28, chegou. E justo a da AstraZeneca, nela aplicada semana passada. À espera de Cora, há seis meses em sua barriga, ela também tem diabetes gestacional.
Assustou-se quando soube que a vacina que tomou foi suspensa. “Em uma pesquisa rápida, descobri que gravidez já é um fator de risco para trombose. Me tranquilizei, mas fiquei triste pelas outras gestantes que ainda não se vacinaram, pois os riscos da Covid são muito maiores.”
Segundo Amorim, o risco de trombose é de 1 ou 2 casos para 1.000 gestantes ou puérperas (mulheres no pós-parto). O governo estima que o Brasil tenha 3 milhões de grávidas. No cenário mais conservador, portanto, é de se esperar a ocorrência de 3.000 quadros trombóticos, afirma a obstetra.
A relação causa e efeito da vacina com a morte ainda não foi estabelecida, e é preciso investigar, dizem especialistas. Nesse sentido, a suspensão, ainda que não se saiba se temporária ou definitiva, é um ponto de divergência entre a comunidade médica.
Para Agnaldo Lopes, presidente da Federação Brasileira de Associações de Ginecologistas e Obstetrícias, apesar da preocupação com a Covid, a orientação da Anvisa precisa ser seguida. “É sempre difícil tomar essa decisão, mas nós vamos acatar. Até mesmo porque um efeito adverso desses precisa ser avaliado para saber se tem relação ou não com a vacina”, diz.
A pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunização, Isabella Ballalai, acha que a interrupção é correta, mas diz que a falta de uma comunicação clara do que ocorreu pode espalhar mais receio. “Essa investigação está em curso desde sexta [7], mas a comunicação foi feita pela Anvisa sem a participação do PNI [Programa Nacional de Imunizações]. Isso gera uma insegurança que é natural, por falha de comunicação das autoridades.”
Presidente do departamento de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Renato Kfouri lembra ainda que a vacinação de gestantes no país já vinha sendo feita entre as profissionais de saúde e as indígenas e não foi verificada nenhuma morte nesse grupo até o momento –é preciso ressaltar, porém, que esses grupos que foram vacinados no início da campanha receberam majoritariamente a Coronavac, cuja tecnologia é similar à da vacina contra a gripe.
“Por isso é preciso estabelecer se há um risco aumentado de fato com essa vacina, verificar qual a incidência em mulheres de 20 a 30 anos, de 30 a 40 anos, com comorbidades etc., e a partir daí fazer recomendações com base em evidências, e não porque parece que causa trombose.”
A obstetra Fernanda Macêdo é contra a suspensão da imunização no grupo. “Imagina uma menina que trabalha no comércio e não pode parar de trabalhar e pegar transporte público. Ela se beneficia muito mais de poder tomar a vacina. É tudo de canetada, sem pensar”, afirma. “Temos uma população muito vulnerável, a nossa população não é da zona sul do Rio de Janeiro, dos escritórios chiques, onde as pessoas estão mais protegidas.”
O cenário ideal, para a médica, era um menu de imunizantes para que grávidas temerosas com a vacina sob suspeita pudessem optar por outra. “Poderiam manter a vacinação com a Pfizer e a Coronavac”, disse antes da decisão do Ministério da Saúde que fez justamente isso.
“Tenho fé que eles reservem as da Pfizer para nós e só reorganizem o calendário”, diz a advogada Carolina Uribe, 41, que aguarda a chegada de Maria Flor em agosto.
“Não queria tomar a AstraZeneca por conta dos casos mínimos de trombose. Eu ia tentar um posto que tivesse dando a Pfizer”, conta ela, que enviou a foto de seu pé inchado (reação normal da gestação) para apontar o receio de trombose, um mal ligado à má circulação. “Mas teria tomado a AstraZeneca se não tivesse outra alternativa. Agora, com a morte da grávida, acho que ficaria receosa, sim.”
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