ALEX SABINO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Rogério Zambotto era menino e via o pai concentrado no escritório, debruçado sobre aparelhos de rádio. Ele consertava artefatos eletrônicos, o que na idade também incluía aparelhos de TV.
Foi uma presente que o empurrou, em segmento, para o curso de técnico na superfície e, anos depois, à faculdade de engenharia eletrônica.
Eduardo Monteiro, 62, era fascinado por rádio na puerícia. Mexia no dial o dia inteiro, pulava de uma emissora para outra. Sempre AM, frequência cada vez menos usada. Não gostava de escutar músicas. Preferia gente falando.
Os dois resolveram que isso faria segmento de suas vidas. Pouco importa que o ato de ouvir rádio da maneira mais antiga, em aparelhos próprios para isso -tanto elétricos quanto a pilha-, seja um tanto vasqueiro.
“Ouvir por celular não é a mesma coisa. Eu não paladar”, diz Monteiro, que conserta aparelhos em sua morada, no Parque Novo Mundo, zona setentrião de São Paulo.
“Não tem muita concorrência. A maioria das pessoas que fazia isso já morreu”, afirma Zambotto.
Os dois chegam ao final de 2024 resistindo em um mercado cada vez mais de nicho, restrito a poucas pessoas.
“Eu não sei porquê vai ser. Talvez pare. Estou um pouco cansado disso”, confessa Monteiro, que também trabalha em bar no bairro onde reside.
Parar não está cabeça de Zambotto, que também é servidor público federalista. Ele faz qualquer tipo de reparo, mas é profissional em restaurações de aparelhos antigos. Aqueles em que o rádio faz segmento de um traste de madeira bravo no solo. Quase sempre está há décadas na família, esquecido em um repositório, até alguém sentenciar que consertá-lo e fazê-lo voltar a funcionar é uma boa teoria.
“Os meus clientes são colecionadores, gente que tem um rádio vetusto na família e bate aquele saudosismo. Quer restaurar. Diria que 99% das pessoas que me procuram são assim”, diz.
Rádios AM e FM ainda são fabricados e comercializados no Brasil. Artigos novos ou de segunda mão podem ser encontrados market places ou lojas dos próprios fabricantes.
Não existe um oferecido público sobre a venda desses aparelhos no Brasil hoje em dia. O mercado de eletroportáteis, que engloba outros tipos de artefatos, está em tapume de 60 milhões unidades por ano.
A restauração pode trespassar rosto, embora Zambotto tenha receio em dar um valor exato. Considera ser um tanto muito variável. Depende da requisito que está o rádio principalmente na segmento interna. Estima que a conta varia entre R$ 1.000 e R$ 6.000.
“É um trabalho multíplice, porque tem a questão de ser valvulado. A madeira dos aparelhos mais antigos também é um tanto complicado. Aparece cada coisa Às vezes, o rádio já passou por outros técnicos que não resolveram o problema, mas modificaram todo o aparelho. É normal vir todo detonado. Hoje em dia, se queima uma placa da TV, é só colocar outra no lugar. Rádio não é assim. É um trabalho de arte”, diz o restaurador, que trabalha em um quarto em sua morada na Vila Mariana, zona centro-sul da capital.
A falta de peças pode obrigá-los a ser criativos. Até fazer curso é difícil. Zambotto afirma ter aprendido tudo em vídeos no Youtube e até hoje se depara com questões que não sabe porquê resolver. Vai em procura de ideias na internet.
Monteiro aprendeu por curiosidade, vendo o pai trabalhar. Quando começou, era tentativa e erro.
“Eu canso de escutar ser coisa de gente mais velha. Cresci com meu pai andando por aí com radinho de rima no ouvido. É verosímil imaginar um jovem fazendo isso hoje em dia? Nem em estádio de futebol!”, constata.
Ser coisa de gente velha é um tanto que Zambotto também já ouviu muitas vezes.
“Minha mana mais novidade, se eu der para ela um rádio todo restaurado, ela vai pegá-lo e jogar no lixo. Quem é muito moderno, não quer saber dessa história”, concorda.
Por isso que eles não sabem até onde isso vai e sabe que venceram mais um ano. Talvez seja o último para Monteiro, mas Zambotto não vê o final da risca. Enquanto houver colecionadores ou gente com aparelhos antigos dispostos a restaurá-los, vai ter um mercado. Quando falou com a Folha, ele tinha três unidades sobre sua bancada para avaliação.
É importante não ter pressa. Ele conta já ter levado seis meses para fazer uma restauração. O orçamento, por razão de toda complicação, pode levar uma semana.
Para tentar dar um toque de modernidade, faz com que os aparelhos sintonizem a frequência FM, que apareceu no Brasil exclusivamente em 1955, com a geração da Rádio Prensa, no Rio de Janeiro. Antes disso, a única opção era AM. Também coloca ingresso para Bluetooth, tecnologia que permite conexão sem fio entre diferentes dispositivos.
Para os tradicionalistas, isso pode ser quase um transgressão. Mas na visão de quem faz restaurações, é uma maneira de manter viva uma forma de notícia de Gugliemo Marconi em 1895.
“Tem muitos amigos que acham um sem razão mexer num negócio desse. Perguntam quem vai querer esse tipo de coisa. Sempre respondo: ainda tem gente”, afirma Zambotto.