SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Bactérias comuns tornaram-se mais resistentes aos tratamentos nos últimos anos, segundo novo relatório publicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Na maior parte dos microrganismos monitorados, a tendência à RAM (resistência antimicrobiana) ficou estável entre 2017 e 2020. Mas, em outros, o crescimento ultrapassou 15%, elevando a preocupação com o controle global de infecções.
O relatório indica, por exemplo, que mais de 60% das cepas isoladas da bactéria causadora da gonorreia mostram-se resistentes ao ciprofloxacino, um dos antibióticos utilizados para o tratamento da doença, que em 2019 somou 87 milhões de casos ao redor do globo.
No Brasil, um protocolo lançado pelo governo em 2015 já contraindicava o uso desse antibiótico (até então o tratamento padrão) contra a gonorreia nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A diretriz mais recente, lançada neste ano, recomenda o tratamento com ceftriaxona e azitromicina.
Além disso, mais de 20% das cepas da bactéria Escherichia coli, a causa mais comum de infecções do trato urinário, são resistentes tanto às primeiras opções de cuidado, com ampicilina ou cotrimoxazol, quanto aos tratamentos de segunda linha com fluoroquinolonas.
O levantamento aponta ainda resistência acima de 50% nas bactérias Klebsiella pneumoniae e Acinetobacter spp, motivo frequente de sepse (infecção generalizada) em hospitais. Nesses casos, são usados antibióticos conhecidos como carbapenêmicos, mas o novo levantamento mostra que em mais de 8% das infecções da corrente sanguínea causadas por Klebsiella pneumoniae também há resistência a esse último recurso, aumentando a possibilidade de morte por uma infecção intratável.
“A resistência antimicrobiana enfraquece a medicina moderna e põe milhões de vidas em risco”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, em nota divulgada pela entidade.
O Relatório global de resistência antimicrobiana e sistema de vigilância de uso antimicrobiano (Glass, em inglês), divulgado na última sexta-feira (9), foi produzido com dados reportados em 2020 por 87 países, incluindo o Brasil. Para a OMS, a pandemia de Covid-19 impediu que mais nações pudessem contribuir na atualização e ainda é preciso pesquisar se a alta nas hospitalizações e o aumento de uso de antibióticos durante a emergência global tiveram impacto no aumento da RAM.
Os dados também podem ter sido afetados pela variação na realização de testes em países de maior ou menor renda. Por exemplo, o nível mediano global de RAM para a bactéria Staphylococcus aureus, associada a infecções no ambiente hospitalar, quando exposta à meticilina foi de 35%. Mas, quando apenas países com alta cobertura de testes foram considerados, esse nível caiu para 6,8%.
Para a entidade, a diferença pode ser parcialmente atribuída ao fato de que em muitos países de baixa e média renda existem apenas alguns hospitais de referência que relatam dados para o estudo, e esses hospitais frequentemente atendem os pacientes mais doentes, que podem ter recebido tratamento antibiótico prévio.
Para superar o problema, a OMS anunciou que atuará em duas frentes: no curto prazo, vai realizar pesquisas periódicas em locais selecionados e, no longo prazo, fortalecer a vigilância sistemática. Com isso, ela espera propiciar dados robustos para a formulação e o monitoramento de políticas públicas e, também, aumentar o número de laboratórios com garantia de qualidade que relatam dados representativos.
“Para compreender verdadeiramente a extensão da ameaça global e montar uma resposta de saúde pública eficaz à RAM, devemos ampliar os testes microbiológicos e fornecer dados de qualidade assegurada em todos os países, não apenas nos mais ricos”, avaliou Adhanom.
Ameaça A RAM ocorre quando bactérias, fungos, vírus ou parasitas sofrem alterações ao serem expostos a antimicrobianos, entre os quais antibióticos, antifúngicos e antivirais.
A resistência ocorre naturalmente ao longo do tempo, porém o uso excessivo de antimicrobianos está acelerando o processo e, com isso, alguns medicamentos estão perdendo sua eficácia.
Para a OMS, a RAM representa uma preocupação porque ameaça a capacidade de tratar doenças infecciosas comuns. Além disso, torna necessários tratamentos mais complexos e caros e, sem antimicrobianos eficazes para prevenir e tratar infecções, procedimentos como transplante de órgãos, quimioterapia, cesarianas ou colocação de prótese no quadril ficam mais arriscados.
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