THIAGO AMÂNCIO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Jayson Blair, 47, ainda acredita nos jornais. O americano que trabalha como “coach de vida” assina as versões digitais de New York Times, Washington Post, Boston Globe e Atlanta-Journal Constitution e diz que, ao lê-los, sabe “que os repórteres fizeram o melhor que podiam para chegar à verdade”.
Ao contrário dele próprio há 20 anos, quando apareceu na capa do New York Times, onde trabalhava à época, não por uma reportagem, mas por ter plagiado e fabricado trechos de uma série de textos.
A primeira página da edição de 11 de maio de 2003 do jornal dizia: “A fabricação e o plágio generalizados representam uma profunda traição à confiança e um ponto baixo nos 152 anos de história do jornal”.
Uma investigação interna apontou problemas em 36 dos 73 artigos que Blair escreveu nos oito meses anteriores. Havia cópias de trechos de jornais concorrentes, descrição de cenas que nunca ocorreram e até matérias assinadas de locais para os quais ele não havia viajado.
Duas décadas depois, Blair diz que mudou sua visão sobre o que ocorreu. Na época, abriu fogo. Afirmou que o caso ganhou tamanha proporção porque ele era negro e creditou o que fez ao transtorno bipolar, que também o teria levado a um vício em drogas.
Em 2004, menos de um ano depois do escândalo -palavra que agora ele se diz confortável em usar para se referir ao episódio–, publicou “Burning Down My Masters’ House – My Life at the New York Times” (queimando a casa de meus senhores – minha vida no New York Times).
Hoje, diz que não vê “como o caso seria diferente por causa da raça” e afirma que quem deu mais peso a isso foi o restante da imprensa, não o New York Times -ele foi contratado, aliás, em meio a um esforço para aumentar a diversidade na Redação. “Parte disso foi por minha culpa, eu tinha tanta raiva que joguei a questão da raça na história.”
Em conversa com a Folha por telefone, Blair afirma que o episódio ocorreu “na alvorada da era da internet”, período em que a chefia do jornal queria borrar as linhas que separavam impresso do digital. “Foi uma terrível colisão de eventos, muita gente era contra, a ponto de alguns editores seniores nem se falarem.”
Essa, diz, é uma das justificativas para o que fez. “Tinha medo de pedir ajuda porque achava que nunca teria uma segunda chance e estava apenas tentando ser funcional quando não estava bem mentalmente.”
É por isso que Blair não chama o que fez de fake news, expressão que não tinha o mesmo significado à época do que o que tem na era pós-Donald Trump. “Não fabriquei notícias para gerar desinformação. Nunca quis deliberadamente enganar ninguém. Também não fiz isso para alavancar minha carreira ou avançar em alguma agenda específica, como me acusaram. Eu só tentava fazer meu trabalho enquanto estava muito doente e não deveria tentar fazer isso.”
Blair fala quase com ternura do período em que “editores, advogados do Times, o sindicato, o RH, pessoas realmente boas” o procuraram durante a investigação para ajudá-lo a explicar o que havia acontecido.
“Mas eu mentia e mentia.” Ele afirma que decidiu assumir o escândalo e se demitir do jornal durante uma noite em que, pela primeira vez, teve pensamentos suicidas, antes que o caso viesse à tona.
“Quando entreguei minha carta de demissão, sumi. E a Redação, enquanto tinha que lidar com um escândalo gigante, colocou dez pessoas atrás de mim em Nova York, repórteres e editores à minha procura, e me ajudaram a me tratar”, diz, lembrando que o jornal estendeu o convênio médico após a demissão.
Ele tentou ficar em Nova York por mais um ano após deixar o jornal, mas, sentindo-se isolado, voltou à cidade dos pais, Leesburg, na Virgínia, a menos de uma hora do centro de Washington, onde vive hoje.
Foi só em 2007, quatro anos após o escândalo, que começou a lidar melhor com o caso, afirma Blair. À época, ele encontrou o tratamento adequado para sua bipolaridade, depois de passar por 60 combinações diferentes de medicamentos.
Ele define o escândalo como “uma experiência de humildade”. “Você está no topo da carreira, acredita que está conquistando tudo, e isso acontece. Não quero nunca passar por algo como aquilo de novo, mas muita coisa boa veio a partir desse caso. Não acho que gostaria da pessoa que eu me tornaria se isso não tivesse acontecido.”
Ele começou a trabalhar com iniciativas sobre a importância de cuidar da saúde mental, até que um psicólogo sugeriu que aprendesse sobre coaching. “Eu ri na cara dele. Você sabe o que eu já fiz na vida? Como vou ser coach? Mas ele insistiu e assim cheguei aonde estou agora”, conta Blair, que abriu uma empresa de coach de saúde mental, vida e carreira em 2010.
Hoje, tem ainda um podcast, o Silver Linings Handbook, em que trata do assunto. É por isso que aceitou falar com a reportagem, embora diga estar “um pouco cansado” de remoer o erro que cometeu aos 27 anos.
Newsletter Colunas e Blogs Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha; exclusiva para assinantes. * Blair diz que, em uma era em que os salários são muito mais baixos, a cobrança muito maior, com concorrência da internet, e os ataques mais frequentes, jornalistas precisam focar a saúde mental.
“O jornalismo é essencial em uma democracia. Mas você precisa colocar a máscara de oxigênio em si próprio antes de ajudar os outros.”
“É uma profissão poderosa para ajudar as pessoas. Mas é uma indústria. O jornal não vai te abraçar à noite quando você chega em casa. Então, tome conta de você e da sua saúde.”
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