(FOLHAPRESS) – Medicamento injetável já aprovado nos Estados Unidos para adultos com obesidade e sobrepeso, a semaglutida (wegovy) também ajuda adolescentes a perder peso e a reduzir risco cardiovascular.
É o que mostra estudo publicado nesta quarta (2) no New England Journal of Medicine e apresentado na Obesity Week, a maior conferência internacional sobre obesidade que acontece em San Diego, na Califórnia (EUA).
No ensaio clínico multicêntrico de fase 3, adolescentes com obesidade que receberam a substância uma vez por semana tiveram redução de 16,1% em seu IMC (índice de massa corporal), que consiste na divisão do peso pela altura ao quadrado. Já no grupo que tomou placebo, o índice aumentou 0,6%.
Participaram do estudo 201 adolescentes com idades entre 12 e 18 anos, com peso médio de 107,5 kg e IMC de 37 kg/m2, em média.
Quando o resultado fica entre 25 e 30, considera-se que há sobrepeso -condição que atinge 57% da população adulta no Brasil, segundo a Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico). Se o IMC for maior que 30, o caso é categorizado como obesidade, que afeta hoje 22% da população brasileira adulta.
Os participantes do estudo receberam injeções subcutâneas de semaglutida 2,4 mg ou placebo. Também foram orientados sobre nutrição saudável e atividade física. O estudo foi financiado pela Novo Nordisk, fabricante do medicamento.
“Até agora a gente tinha poucas alternativas para tratar adolescentes obesos. Essa perda de peso [mostrada no estudo] nunca tinha sido vista nessa faixa etária. Ficamos todos muito impressionados”, diz a endocrinologista do Hospital das Clínicas de São Paulo Cíntia Cecato, que preside a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica).
O endocrinologista Bruno Halpern, que assume a presidência da Abeso em janeiro, também comemorou os resultados do estudo, mas reforça que eles não reduzem a importância de se manter foco em melhoria de qualidade de alimentação e exercícios. “Pelo contrário, juntar estratégias é sempre melhor. Esses resultados animadores podem, inclusive, aumentar a adesão a essas estratégias [não medicamentosas] nessa faixa etária.”
A semaglutida, originalmente prescrita para o diabetes, aguarda aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para tratamento da obesidade em adultos, mas vem sendo muito usada no país de forma off label (quando se receita um medicamento com finalidade diferente daquela vista na bula). A Novo Nordisk afirma que “não endossa ou apoia a promoção de informações de caráter off label”.
A substância imita um hormônio produzido naturalmente pelo intestino, o GLP-1, que, entre outras funções, diminui o apetite e torna mais lenta a digestão, o que faz com que a pessoa ingira menos comida.
“O grau de redução do peso corporal é sem precedentes. Depois de anos de frustração, de repente os pacientes começaram realmente a perder peso”, disse Daniel Weghuber, da Paracelsus Medical University, de Salzburgo (Áustria), principal autor do estudo.
O único tratamento para obesidade aprovado para adolescentes no Brasil é o liraglutida (saxenda), que teve aval da Anvisa em 2020. O novo estudo sugere que a semaglutida supera os benefícios dessa substância e de outras que já tiveram aprovação para adolescentes nos EUA, como a orlistat e a fentermina-topiramato.
De acordo com o trabalho, outros indicadores de risco cardiovascular melhoraram no grupo da semaglutida em comparação com o grupo placebo, incluindo níveis elevados de colesterol (-8,3 contra -1,3), triglicerídeos (-28,4 contra 2,6) e níveis de alanina transaminase (-18,3 contra -4,9).
Weghuber aponta que, com a semaglutida, também houve melhorias na qualidade de vida relacionada ao peso, o que não foi observado em ensaios anteriores com outras drogas.
Segundo ele, a perda de peso observada no estudo foi maior em adolescentes do que em adultos que tomam semaglutida. Não está claro por que isso aconteceu.
Os participantes que tomaram semaglutida foram mais propensos a ter efeitos colaterais gastrointestinais, como náuseas, em comparação com o grupo placebo (62% contra 42%), o que acontece também entre os adultos. Mas, em geral, foram bem tolerados e sem novas preocupações com segurança.
Os resultados chegam em um momento em que as taxas de obesidade e de sobrepeso crescem em todo o mundo.
Um recente estudo da Universidade Harvard projetou que até 2030 quase metade dos americanos terá obesidade, que representará até 18% dos gastos em saúde para o tratamento de problemas relacionados a ela, como doenças cardíacas, derrames e osteoartrite.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2020, entre os adolescentes de 15 a 17 anos, 1 em cada 5 estava com excesso de peso (19,4%) e 6,7%, com obesidade. Outro estudo com adolescentes acompanhados na atenção primária em 2021, mostrou que 32,7% e 13% apresentavam excesso de peso e obesidade, respectivamente.
Entre as crianças até 5 anos, 15,8% tinham excesso de peso. Entre 5 e 9 anos, a taxa foi de 33,9% das crianças. Dessas, 7,6% e 17,8%, respectivamente, apresentavam obesidade.
“As recomendações de estilo de vida, como comer mais vegetais, não comer frituras, não beber refrigerantes, continuam válidas, mas é muito difícil as pessoas fazerem essas mudanças. Há necessidade real de medicamentos seguros e eficazes para tratar a obesidade”, afirmou Nikhil Dhurandhar, professor de ciência nutricional da Universidade do Texas (EUA).
Para o cardiologista e especialista em medicina baseada em evidência Luís Correia, professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, há evidências de boa qualidade de que essas novas drogas, comparadas a placebo, reduzem de maneira relevante o peso de uma pessoa. “Além de mais eficazes do que os antigos anorexígenos, não causam os efeitos colaterais [que eles causavam]. Representam uma evolução farmacológica real.”
Na opinião dele, porém, é um erro achar que a obesidade é um problema clínico individual e que basta tratá-la com medicação. “É um problema populacional. Observe que há povos, como os japoneses, cuja cultura é diferente, e a obesidade é 3%, contra 30% no Brasil. Não é genética, é comportamento.”
Não há dados objetivos sobre a durabilidade do efeito da semaglutida entre adolescentes, mas estudos em adultos mostram que a perda de peso foi mantida por dois anos de tratamento contínuo. Outro estudo, porém, mostra que os adultos que perderam peso recuperaram cerca de dois terços dele durante o primeiro ano após a interrupção da medicação.
A manutenção da perda de peso a longo prazo é outro desafio e demanda políticas públicas de prevenção. “As pessoas vivem em um ambiente obesogênico, com alimentos ultraprocessados, um estilo de vida cada vez mais sedentário”, diz Cíntia Cecato, da Abeso.
Entre as medidas preventivas sugeridas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) estão a maior taxação de bebidas açucaradas, a proibição de publicidade de alimentos ultraprocessados voltada ao público infantil e a criação de espaços urbanos seguros onde as pessoas possam se exercitar.
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