SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em um novo teste acerca da elasticidade das linhas vermelhas do Kremlin em relação ao apoio do Ocidente a Kiev contra a invasão russa da Ucrânia, o Reino Unido anunciou que irá enviar pela primeira vez helicópteros para ajudar a resistência.
É de fato um teste, já que a guerra não mudará de patamar com apenas três unidades anunciadas pelo secretário de Defesa, Ben Wallace, nesta quarta (23). Mas um teste simbólico, até pelo equipamento escolhido.
Serão três helicópteros de guerra antissubmarina Sea King, versão da britânica Westland do modelo americano homônimo. São aparelhos obsoletos para o padrão da Otan (aliança militar do Ocidente): o último dos 357 produzidos parou de voar em 2018 no Reino Unido; ainda há modelos ativos em outros países, como a Alemanha e Brasil.
Assim, o recado é para a combalida Frota do Mar Negro da Rússia, centrada em Sebastopol, na Crimeia ocupada. Ela já perdeu a nau-capitânia, o cruzador Moskva, afundado em abril. Em setembro, talvez metade de seu dispositivo aéreo foi destruído em solo, numa base crimeia.
E seu QG foi alvo de ataques diretos de drones, que Moscou acusou terem sido organizados justamente pelo Reino Unido.
O Sea King, contudo, pode ser usado também para operações de transporte em solo. A questão é que até aqui nenhuma aeronave ocidental tripulada havia sido enviada por apoiadores do governo de Volodimir Zelenski contra os russos.
É um tabu que cai, devagarinho. Na fase inicial da guerra, o foco do fornecimento de armas era em armas portáteis contra tanques e aviões. Deu certo, e quando a guerra mudou seu eixo para batalhas com artilharia no leste do país, foi a vez de os EUA escalarem e fornecerem sistemas avançados do tipo –que fizeram a diferença também no sul, ao romper linhas de suprimento que eventualmente levaram ao recuo das forças russas a sudeste do rio Dnieper.
A cada avanço, Moscou alerta para linhas vermelhas e fala no risco de um embate direto com o Ocidente, o que levaria a uma Terceira Guerra Mundial, nuclear por natureza. O próprio Vladimir Putin já descartou o uso da bomba de forma ofensiva, mas sempre que pode repete a doutrina atômica russa, de defesa existencial.
Ainda assim, alguns limites são respeitados. Até aqui, os EUA haviam fornecido 20 helicópteros para os ucranianos, mas eram modelos de fabricação soviética Mi-17 coletados entre aliados do Leste Europeu, antigos clientes do Pacto de Varsóvia na Guerra Fria, iguais aos operados por Kiev. Era uma nuance: não se tratava de material ocidental.
Mesmo assim, até aqui a Otan não aceitou a pressão de países de sua franja leste mais preocupados com a Rússia, como a Polônia, de fornecer caças soviéticos MiG-29 para Kiev -segundo o site de avaliação de perdas militares a partir de imagens públicas e checagem com georreferenciação holandês Oryx, 55 das 124 aeronaves ucranianas do pré-guerra já foram perdidas.
Em relação a helicópteros, o Oryx conta 23 de 115 derrubados. O número é relativamente baixo porque há mais controle dos ucranianos sobre a divulgação de imagens de suas perdas militares. Os dados russos sempre são mais abundantes, até para fins de propaganda em solo de Kiev.
Wallace também anunciou o envio de 10 mil peças da artilharia para os ucranianos, o que ocorre depois da visita do novo premiê, Rishi Sunak, à capital do país invadido. Os EUA são os maiores apoiadores militares de Zelenski, com US$ 18,6 bilhões (R$ 100 bilhões hoje) anunciados este ano, e o Reino Unido vem atrás, com US$ 2,75 bilhões (R$ 14,8 bilhões hoje).
Novos ataques Ao longo desta quarta, houve novos ataques aéreos russos na Ucrânia. Sirenes aéreas soaram em quase todas as regiões do país, e houve ao menos dois pontos de concentração de ataques, um deles na capital.
Segundo o prefeito de Kiev, Vitali Kitschko, alvos de infraestrutura energética da cidade foram atingidos na periferia na madrugada. Não há notícia de vítimas ainda. Com a chegada daquele que se anuncia como um dos mais duros invernos em anos, os russos têm focado sua campanha aérea em destruir a rede energética dos ucranianos.
Até aqui, mais de 60% da infraestrutura do setor foi destruída, e apagões programados têm deixado as grandes cidades sem energia e aquecimento como forma de fazer um rodízio da eletricidade. Na capital, o governo promete montar “centros de resistência”, basicamente abrigos contra ataques com aquecimento e luz provida por geradores ocidentais.
Parlamento Europeu condena Rússia O Parlamento Europeu votou em favor de uma resolução qualificando a Rússia como Estado promotor do terrorismo nesta quarta. A medida é simbólica, sem efeito legal dado que a o órgão não tem poderes executivos.
A denominação era um pedido antigo de Zelenski, devido à destruição de sua rede de energia e ataques que atingiram hospitais ou escolas nesses nove meses de guerra. Os Estados Unidos, onde a qualificação possibilita novas sanções contra países condenados, resistem à ideia por ora. Washington só classifica assim Cuba, Coreia do Norte, Irã e Síria, todos aliados de Putin.
O Parlamento russo, de forma igualmente inócua, chama de patrocinadores de terror os membros da Otan Lituânia, Letônia, Estônia e Polônia, a linha de frente da aliança no Leste Europeu.
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