Reino Unido aprova medidas contra Covid, mas expõe racha no governo de Boris Johnson

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Parlamento do Reino Unido aprovou, nesta terça-feira (14), um novo pacote de medidas para conter o coronavírus no país, mas os bastidores da votação expuseram fragilidades no governo do primeiro-ministro Boris Johnson.

O conjunto apelidado de “Plano B” prevê ações como a obrigatoriedade do uso de máscaras na maior parte dos locais fechados e a exigência do certificado de vacinação em certas ocasiões, como boates e grandes eventos, e da vacinação de profissionais da saúde.

De acordo com o governo, as medidas se justificam pela necessidade de garantir que os hospitais britânicos não entrem em colapso nas próximas semanas à medida que o país identifica um número crescente de casos da variante ômicron – foram mais de 4.700 registros até esta terça, com ao menos dez pessoas hospitalizadas.

Apesar da aprovação das medidas, a votação expôs um racha no governo. Na análise da primeira medida, a exigência das máscaras, 441 votaram a favor, mas 41 foram contra -38 destes do Partido Conservador, o mesmo de Boris, enquanto 46 correligionários do premiê se abstiveram.

Já os pontos mais sensíveis foram a exigência do passe sanitário (aprovado por 369 a 126 votos) e da vacinação de profissionais da saúde (385 a 100). Ambos tiveram 96 correligionários de Boris que se rebelaram e votaram contra, bem como 36 abstenções. .

Antes da votação, políticos e ex-aliados do premiê já haviam se posicionado contra as medidas. O parlamentar Andrew Bridgen, por exemplo, disse que alguns legisladores estavam determinados a “traçar um limite no que diz respeito a qualquer erosão adicional das liberdades civis”.

Steve Baker, que foi vice-secretário do brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), afirmou que “estas medidas são equivocadas, desproporcionais e não há evidências suficientes de que são necessárias”.

O ex-ministro David Johnson descreveu a introdução do passe sanitário como “totalmente errada”. “As pessoas certamente devem ser encorajadas a receber a vacina, mas, em última análise, têm que assumir a responsabilidade por sua própria saúde”, argumentou, em entrevista à agência de notícias Reuters.

Boris, por sua vez, passou os últimos dias fazendo uma série de declarações incisivas do a respeito da pandemia de coronavírus. No domingo (12), o premiê falou sobre uma inevitável “forte onda” da ômicron no Reino Unido. Na segunda-feira (13), anunciou a primeira morte relacionada à nova cepa no país e pediu que as pessoas descartem a ideia de que a mutação é mais branda.

Nesta terça, pouco antes do início dos debates que antecedem as votações no Parlamento, o premiê voltou a alertar seu gabinete sobre a iminência de um “enorme aumento” de casos da ômicron entre os britânicos, o que justificaria a imposição das medidas previstas no Plano B.

Durante a sessão, o secretário de Saúde, Sajid Javid, também anunciou o fim das restrições de viagem impostas a 11 países africanos. Segundo ele, a medida perdeu significado agora que a transmissão da ômicron no Reino Unido e no mundo tem se dado de forma comunitária, e não mais a partir de viajantes.

Apesar das vitórias nesta terça, o líder britânico se encontra em um momento complicado. Como vinha sendo previsto por analistas, o premiê só conseguiu a aprovação do Plano B porque recebeu apoio de parlamentares da oposição.

Houve ainda conservadores que usaram a votação como uma oportunidade para expressar sua insatisfação com a gestão Boris Johnson. Para eles, o homem que conduziu o partido a uma vitória ampla nas eleições de 2019 está desperdiçando o êxito da legenda por meio de erros e escândalos.

Pesa contra Boris, por exemplo, a revolta da opinião pública com uma festa que teria sido realizada em Downing Street, sede do governo, durante a época de Natal de 2020, quando celebrações presenciais estavam proibidas em razão de restrições sanitárias. O episódio levou à renúncia de uma assessora do premiê na semana passada e continua rendendo acusações de hipocrisia ao alto escalão do governo.

No último sábado (11), o tabloide Sunday Mirror publicou uma foto que mostra Boris e dois de seus funcionários reunidos também em Downing Street para uma espécie de quiz virtual -embora as regras vigentes à época proibisse esse tipo de reunião em ambientes fechados.

Boris também foi responsabilizado na semana passada por uma reforma feita em sua residência oficial com verba não declarada oriunda de uma doação privada. A Comissão Eleitoral multou a legenda do primeiro-ministro em 16,2 mil libras (R$ 121 mil) por deixar de relatar a doação de 67,8 mil libras (R$ 499 mil), e o Partido Conservador terá que pagar mais 1.550 libras (R$ 11,4 mil) pela irregularidade.

Há ainda queixas contra Boris por tentar mudar normas parlamentares para ajudar aliados políticos, por suas férias luxuosas no exterior, pelos vínculos duvidosos de seu governo com algumas empresas, e por acusações de clientelismo na designação de cadeiras na Câmara dos Lordes (equivalente ao Senado).

Apesar do descontentamento com a gestão do premiê, no entanto, membros do Partido Conservador dizem que ainda não há clima para pensar em substituí-lo -o que se deve, principalmente, à ausência de um nome que reúna apoio suficiente para formar maioria no Parlamento.

Falando em anonimato à Reuters, um veterano do partido do premiê disse que Boris em um dia ruim é melhor que qualquer outro aspirante ao cargo em um dia bom. O líder britânico é conhecido por seu escapismo, a capacidade de desviar de um ou outro escândalo em sua vida pessoal ou política. Mas o acúmulo de queixas tem cobrado um preço em seus índices de popularidade.

Uma pesquisa do instituto Opinium para o jornal Observer registrou queda de quatro pontos na aprovação ao Partido Conservador, avaliado positivamente por 32% dos entrevistados. Já o Partido Trabalhista, principal legenda da oposição, subiu para 41%, seu melhor índice desde 2014.

As avaliações de Boris em nível individual também está em seu ponto mais baixo desde a eleição em 2019. Seu índice de aprovação (35%) caiu 14 pontos em duas semanas, e 57% dos entrevistados disseram que o premiê deve renunciar -9% a mais do que na pesquisa anterior.

EUROPEUS TAMBÉM REFORÇAM RESTRIÇÕES CONTRA COVID

Na esteira da aprovação das medidas no Reino Unido, outros países europeus reforçaram as restrições para conter a alta de casos de Covid-19 e a propagação da variante ômicron, sequenciada pela primeira vez na África do Sul.

A Itália, por exemplo, estendeu nesta terça o estado de emergência imposto devido ao coronavírus até 31 de março, além de exigir que visitantes da União Europeia façam um teste antes de partir com destino ao país.

O estado de emergência, em vigor desde janeiro de 2020, dá ao governo mais poderes para determinar medidas que avaliar necessárias, evitando assim a burocracia italiana para aprovações do tipo.

Já a exigência do exame de Covid-19 estende uma obrigatoriedade que já valia para muitos dos países fora do bloco. A medida foi recebida com desaprovação na Comissão Europeia, que prefere regras comuns para viagens.

Com 5,24 milhões de casos confirmados desde o início da pandemia, a Itália enfrenta uma alta de infecções desde meados de outubro e registrou média móvel de 17.092 nesta segunda. As mortes, em alta menos preocupante, somam 134,8 mil no total, com média móvel de 92 também nesta segunda.

O percentual da variante ômicron, no entanto, ainda é baixo e está em 1,32%, enquanto a delta segue responsável por 98,68% dos sequenciamentos feitos.

A Holanda é outro país europeu que determinou o reforço das restrições nesta terça. O premiê Mark Rutte anunciou que alunos de 5 a 10 anos começarão a folga de Natal uma semana antes, tentando evitar que as crianças contaminem familiares mais velhos.

Além disso, foram estendidas até 14 de janeiro medidas como o fechamento de restaurantes, bares e comércios não-essenciais entre 17h e 5h, a proibição de público em eventos esportivos e a recomendação de trabalhar de casa sempre que possível, que já estavam em vigor desde 28 de novembro.

O país vem observando uma queda nos casos desde que implementou as restrições, após uma alta vertiginosa que começou em outubro. A média móvel nesta segunda foi de 17.378 casos nesta segunda, formando um total de 2,94 milhões desde o início da pandemia. Já as mortes seguem em alta, com a média desta segunda de 63 e um total de 20,6 mil.

A ômicron já responde por 17,24% dos sequenciamentos feitos, enquanto a delta tem índice de 82,76%.

O número de pacientes internados com Covid-19, por sua vez, segue entre os mais altos níveis registrados neste ano, enquanto hospitais receberam ordens para adiar operações eletivas para liberar leitos em UTIs.

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