SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A rede internacional Scholars at Risk (SAR) publicou nesta quinta-feira (9) um relatório em que se diz “profundamente preocupada” com a liberdade acadêmica no Brasil.
Intitulado “Free to Think 2021” (livre para pensar, em tradução livre), o documento analisa 332 ataques a comunidades de ensino superior ocorridos em 65 países e territórios entre 1º de setembro de 2020 e 31 de agosto deste ano.
Ao falar sobre o Brasil, a publicação contextualiza a situação do país citando cortes de verbas de instituições federais anunciadas durante a gestão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, ataques promovidos contra professores do ensino superior e nomeações arbitrárias de reitores pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
“As eleições presidenciais de 2018 marcaram uma virada drástica para a liberdade acadêmica no Brasil”, diz o relatório.
“Sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, acadêmicos e estudantes brasileiros enfrentaram ameaças e perseguições com base em suas visões e identidades, ações judiciais por sua expressão acadêmica e uma erosão da autonomia institucional, especialmente no processo de nomeações para reitores”, segue.
Entre os casos citados, estão os processos de investigação abertos pelo governo federal contra professores universitários que criticaram o presidente. São citados nominalmente o epidemiologista Pedro Hallal e seu colega da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) Eraldo dos Santos.
As investigações foram iniciadas pela CGU (Controladoria-Geral da União) após denúncia do deputado bolsonarista Bino Nunes (PSL-RS). Segundo o órgão, os docentes proferiram “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao Presidente da República”.
Ambos tiveram de assinar, neste ano, um termo de ajustamento de conduta para encerrar os processos. Com isso, os professores se comprometeram a não repetir os atos pelos próximos dois anos. Não houve determinação de outras punições.
A Scholars at Risk também cita o caso de Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Mendes é alvo de queixa-crime apresentada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que pede sua condenação pelos crimes de calúnia, injúria e difamação.
Na petição, o procurador-geral incluiu publicações de Mendes nas redes sociais e coluna dele publicada no jornal Folha de S.Paulo intitulada “Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional”.
O PGR ainda mencionou postagens feitas nas redes sociais, em que o professor chamou o chefe do Ministério Público Federal de “Poste Geral da República” e “servo do presidente”. O professor chegou a ser citado em representação feita por Aras junto à Comissão de Ética da USP, mas o colegiado rejeitou a denúncia em decisão unânime.
“Ações judiciais que buscam punir acadêmicos por seus pontos de vista e opiniões prejudicam a capacidade do segmento de indagar e compartilhar ideias. A violência dirigida aos campi ou aos manifestantes estudantis também mina a liberdade acadêmica e reduz o grau em que as instituições de ensino superior servem como espaços para um discurso livre e aberto”, diz a Scholars at Risk.
“A SAR exorta as autoridades estaduais no Brasil a respeitar, proteger e promover a liberdade acadêmica, incluindo a garantia da autonomia das comunidades universitárias para determinar e supervisionar a nomeação de lideranças, abstendo-se de ataques diretos ou indiretos à expressão acadêmica”, segue a entidade.
O relatório ainda critica as indicações feitas por Bolsonaro para o comando das universidades de pessoas que não integram as listas tríplices. O presidente já nomeou 19 reitores de universidades federais que não foram os mais votados nas eleições internas das instituições, rompendo uma tradição que vigorava desde o final dos anos 1990.
“As tentativas frequentes de contornar a vontade de professores, funcionários e alunos no processo de nomeação de reitor representam um distanciamento perigoso das tradições e normas democráticas da comunidade universitária federal do Brasil e ameaçam uma maior politização do setor de ensino superior do país”, afirma o relatório da rede.
Desde 1968, a legislação determina que reitores de universidades federais sejam escolhidos pelo presidente da República dentre nomes indicados pelas próprias instituições. A partir de 1995, em lei sancionada por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), definiu-se que esses nomes constariam de uma lista tríplice.
Nas últimas duas décadas, prevaleceu o respeito à vontade majoritária das universidades federais. A última vez em que o 1º colocado havia sido desconsiderado foi em 1998, no governo FHC.
Bolsonaro, porém, fez da exceção uma prática recorrente. Desde o início de sua gestão, ele tem desconsiderado os primeiros colocados para privilegiar o alinhamento político dos reitores -inclusive com duas escolhas de dirigentes temporários, de fora da lista tríplice. O presidente e aliados consideram que as universidades federais são aparelhadas pela esquerda.
A quantidade de vezes em que Bolsonaro desconsiderou o mais votado e as motivações políticas e ideológicas por trás dessas escolhas têm levado docentes a apontar um ataque ao princípio constitucional da autonomia universitária.
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