‘Quero dar enterro digno para meu filho e minha nora e tocar a vida’

Vila Sahy, onde ocorreu a maioria das mortes, era chamada de vila baiana, tamanha a quantidade de imigrantes nordestinos que chegaram ali há mais de 20 anos. Vieram para trabalhar nas construções ou como empregadas e caseiros nas casas de luxo de uma das praias mais bonitas do Estado. Diferente das badaladas Maresias e Camburi, cheias de jovens e surfistas, o Sahy é a praia das famílias, com mar tranquilo e um riozinho acolhedor.

“Esse lugar aqui era apaixonante, sossego, essa praia linda, comunidade unida. Mas não sei se consigo continuar aqui”, diz a cozinheira Natalia Cerqueira, de 24 anos, que perdeu dezenas de amigos com o deslizamento. Ela ajudava a identificar corpos desde domingo e nesta terça-feira levava marmitas aos que trabalhavam nos escombros. O Estadão acompanhou o trabalho: água barrenta corria pelas ruas pavimentadas e carros, motos e casas inteiras – mesmo as que não foram destruídas – tinham 1 metro de lama.

Havia mais voluntários que bombeiros e homens da Defesa Civil. Passavam baldes de terra de mão em mão, cavavam, levantavam pedaços de concreto. No meio deles, puxando a corda, estava Alan Soares Ferreira, de 20 anos, que procurava o tio desaparecido. No dia anterior, o avô Elias Pereira já tinha sido retirado sem vida – a avó conseguiu escapar. “Quando ouvi o barulho de tudo caindo, vim correndo para cá. Quero dar um enterro digno para meu filho e minha nora e tocar a vida.”

ESCOMBROS

No meio dos pedaços de concreto e lama, um violão quebrado, cobertores infantis, brinquedos e roupas. Uma das casas que ruiu tinha 30 turistas de São Paulo. Cerca de 500 famílias moram na Vila, outras tantas tinham alugado suas casas simples no feriado.

No meio do dia, um corpo foi encontrado na área, antes da chuva voltar – mas rápida, e houve retomada das buscas depois. “Ninguém mais tem coragem de dormir aqui”, diz Daniel de Oliveira Silva, estudante de Educação Física, de 20 anos, que nasceu na Vila Sahy.

O medo é que a chuva volte forte e leve mais casas. A de Daniel tem o térreo tomado de lama, dois carros e uma moto da família estão soterrados no que era a garagem. “Muita gente correu por aqui, mas tinham duas trombas de água que se encontraram nesse ponto, muitos ficaram soterrados”, afirma, mostrando a rua onde mora. Ele e a família ficaram na parte de cima da casa e só saíram pela manhã. Há ainda árvores prestes a tombar no alto do morro, mostra o voluntário Rodrigo de Paula, que já ajudou em Brumadinho e Petrópolis. Segundo ele, além da chuva, o sol também é um problema porque a lama seca e dificulta o trabalho de resgate.

São Sebastião tem ainda dezenas de desaparecidos da tragédia, a maioria na Vila Sahy. Do outro lado da rodovia, turistas alugavam nesta terça helicópteros ou pegavam barcos na praia, agora barrenta, para deixar a cidade. Só é possível sair da Barra do Sahy pelo ar, mar ou dirigindo em direção a São Sebastião, seguindo pela Rodovia dos Tamoios. Para o outro lado, em direção a Juquehy, a estrada continua totalmente interditada.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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