FLÁVIA MANTOVANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Nós ainda estamos vivos.” No apartamento onde moram, na zona sul de São Paulo, Akram e Ronza Abujayabb passam dia e noite à espera de receber essa frase em seus celulares. É assim, sem detalhes, a única notícia que seus familiares conseguem enviar nos poucos segundos em que seus telefones ficam ligados.
Nascidos e criados na Faixa de Gaza, Akram, 31, e Ronza, 29, vivem há um ano no Brasil e foram reconhecidos oficialmente como refugiados poucos dias depois da eclosão da guerra Israel-Hamas, em 7 de outubro.
O casal já enfrentou três outras guerras, incluindo em 2014, até então a mais mortal da região. Mas desta vez é diferente: se por um lado estão em segurança, por outro ficam consumidos pela preocupação com familiares, amigos e vizinhos que seguem em Gaza, sem eletricidade, combustível e água potável e à mercê dos bombardeios do Exército israelense.
“Vivemos uma dor dupla, porque sabemos o sofrimento que é uma guerra, mas estamos longe e não podemos fazer nada”, diz Akram.
Com a ajuda do brasileiro que os acolheu, o advogado Edgard Raoul, eles tentam iniciar um processo de reunificação familiar para trazer para perto os pais e três irmãos de Ronza, além da avó e de uma irmã de Akram. Raoul, que é fundador da ONG de direitos humanos Hands On, afirma que está disposto a bancar todos os gastos da família Abujayabb, incluindo passagens aéreas, moradia e alimentação.
O caso, porém, é complexo, já que, pelos trâmites legais, os sete palestinos teriam que ir à representação diplomática brasileira em Ramallah, na Cisjordânia -algo que atualmente é impossível devido ao bloqueio da única saída do estreito território.
Akram e Ronza saíram de Gaza em 2017, em busca de uma vida mais estável em outro lugar do mundo. Moraram no Egito e na Turquia até que, com o auxílio de Raoul, viajaram para São Paulo, em 2022.
Com formação universitária -ele em contabilidade e ela em engenharia mecatrônica-, os dois estão com dificuldade de conseguir trabalho, mas dizem que se sentem acolhidos pelos brasileiros. Ela é voluntária em um laboratório de robótica de uma escola particular e ambos fazem aulas intensivas de português.
Desde que o conflito começou, porém, eles mal conseguem dormir e passam o dia checando notícias, redes sociais e a lista divulgada pelo Ministério da Saúde de Gaza com os nomes das vítimas do lado palestino.
“Temos que checar se nossos amigos ou familiares foram mortos ou não. Temos que ver onde a bomba caiu e escrever mensagens para saber se perdemos um tio, um primo. Enquanto estamos sentados dando essa entrevista, não sabemos se estamos perdendo alguém”, diz Akram.
Nomes que o mundo só conhece pelo noticiário significam muito para eles. Ronza e dois de seus irmãos, por exemplo, nasceram no hospital al-Ahli Arab, atingido por uma explosão que deixou centenas de mortos e gerou trocas de acusações entre Israel e o Hamas sobre a responsabilidade pelo ataque. “Muita gente se abrigou lá achando que seria um lugar seguro. Mas não há lugar seguro em Gaza”, afirma ela.
Akram fala com tristeza da morte da mãe de seu melhor amigo, que ele considerava sua segunda mãe. Foi ela que entrou com Ronza na cerimônia do casamento dos dois, já que os pais de Akram tinham migrado para os Estados Unidos para se reunir com um dos filhos.
Ele também conta que um bombardeio a um prédio matou 44 pessoas da mesma família, uma delas casada com seu tio. “Não são só prédios. São nossas casas, nossas memórias, nossas vidas.”
Os pais, irmãos e a avó de Ronza -e também de Akram, já que os dois são primos- deixaram a vila onde moram, no centro de Gaza, após um aviso de Israel de que iria bombardear um complexo de 25 prédios em frente à casa deles. Só levaram documentos; fotos, roupas, objetos de valor sentimental e todo o resto ficaram.
A última notícia que enviaram é que estão em Rafah, na fronteira com o Egito, “dormindo em um quarto minúsculo, para morrer juntos se forem bombardeados”, nas palavras da engenheira.
A viagem foi especialmente penosa para a avó, não apenas por seus 88 anos de idade, mas pelo trauma de reviver o deslocamento forçado de 1948, quando mais de 700 mil palestinos tiveram que deixar suas terras na guerra que se sucedeu à criação do Estado de Israel. “Ela não quer deixar Gaza de jeito nenhum, porque sabe que se sair, nunca mais vai voltar”, afirma Ronza.
A engenheira e o marido já nasceram refugiados e cresceram em um contexto de revolta com as restrições impostas aos palestinos. Eles descrevem, com exemplos, as dificuldades que enfrentavam para viajar a qualquer lugar.
“Você precisa de uma justificativa para sair, tem que pedir autorização [para Israel] meses antes. Mesmo assim, pode ser barrado no lado egípcio. Sou palestino, mas não posso visitar a Cisjordânia, Jerusalém. Isso não está certo”, diz Akram.
Ele afirma ter perdido oportunidades profissionais, como um mestrado no qual foi aprovado nos EUA e uma conferência na Islândia, por ter o passaporte palestino. Também está há seis anos sem ver os pais e não encontra o irmão mais velho, que vive nos Emirados Árabes Unidos, há 24 anos.
O casal se refere a Israel como ocupação sionista e não consideram o Hamas um grupo terrorista, mas de resistência. “Se não temos Exército, tanques, aviões militares, como vamos nos defender? Como resistir quando matam suas crianças, suas mulheres, seu avô?”, questiona Akram.
Eles também dizem não acreditar que o Hamas tenha matado deliberadamente civis israelenses em 7 de outubro e comparam os reféns levados para Gaza por eles aos palestinos detidos em prisões israelenses.
“O Hamas não mata crianças, mulheres, idosos. A mídia estrangeira não mostra a verdade. Temos 6.000 palestinos nas celas do lado deles, incluindo mulheres e crianças, que também estão sofrendo”, diz Akram, questionando também a extensão dos ataques de Israel a Gaza. “O que o mundo está esperando para parar esse genocídio? Quantas crianças terão que ser mortas para que isso pare?”
O casal se refere a Israel como ocupação sionista e não consideram o Hamas um grupo terrorista, mas de resistência. “Se não temos Exército, tanques, aviões militares, como vamos nos defender? Como resistir quando matam suas crianças, suas mulheres, seu avô?”, questiona Akram.
Eles também dizem não acreditar que o Hamas tenha matado deliberadamente civis israelenses em 7 de outubro e comparam os reféns levados para Gaza por eles aos palestinos detidos em prisões israelenses.
“O Hamas não mata crianças, mulheres, idosos. A mídia estrangeira não mostra a verdade. Temos 6.000 palestinos nas celas do lado deles, incluindo mulheres e crianças, que também estão sofrendo”, diz Akram, questionando também a extensão dos ataques de Israel a Gaza. “O que o mundo está esperando para parar esse genocídio? Quantas crianças terão que ser mortas para que isso pare?”
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