SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Até o fim deste século, quase metade dos vertebrados terrestres do planeta poderá enfrentar ondas de calor extremo muito superiores ao que estão adaptados para suportar. A situação seria ainda pior para os répteis e anfíbios e para as espécies que vivem em ilhas, por causa dos territórios restritos que ocupam.
Essas conclusões preocupantes acabam de ser publicadas em artigo no periódico científico Nature, um dos mais importantes do mundo, por uma equipe internacional de pesquisadores. Os números mais assustadores se referem a um cenário no qual a produção de gases que aquecem o planeta se mantém em alta nas próximas décadas. Isso levaria a um aumento de temperatura de 4,4ºC (em relação à média anterior à Revolução Industrial) até 2099.
Caso isso aconteça, a equipe calcula que 41% dos vertebrados terrestres ficariam expostos a ondas de calor extremo sem paralelos com o que vemos hoje. No caso de anfíbios e répteis, a porcentagem sobe para 55% e 51%, respectivamente.
Num cenário mais otimista, que considera que todos os países cumprirão suas metas atuais de combate à crise climática, a temperatura global sobe 2,7ºC e a proporção de espécies sob risco de mega-ondas de calor cai para 15% -ainda longe do ideal.
O trabalho, coordenado por Gopal Murali, pesquisador de pós-doutorado da Universidade do Arizona (EUA), também tem participação de cientistas de instituições de Israel e da Suíça. Segundo a equipe, embora a maioria das pesquisas sobre o tema levem em conta o aumento da temperatura média em escala global e regional, é importante mapear também o risco de eventos climáticos extremos -no caso, grandes picos de temperatura- porque eles é que podem acabar tendo os efeitos mais severos sobre as populações de animais.
Para fazer as estimativas, eles levaram em conta, de um lado, as simulações de computador que buscam estimar como estará o clima até o fim do século, em diferentes cenários (que dependem da possível quantidade de gases causadores do aquecimento global produzidos pela ação humana). Além disso, mapearam as temperaturas máximas que as espécies de vertebrados enfrentaram entre 1950 e 2005.
A partir desses dados, definiram que um “evento termal extremo” do futuro seria um período de pelo menos cinco dias consecutivos no qual a temperatura seria superior a 99% do calor máximo registrado no intervalo 1950-2005. A análise levou em conta ainda fatores como a frequência (quantas vezes por ano), a duração (quantos dias consecutivos) e a intensidade (temperatura máxima) desses eventos termais extremos.
No pior cenário, Gopal Murali e seus colegas calculam que, em média, as espécies de vertebrados terrestres estarão expostas a 70 dias de eventos termais extremos em 2099 -ou seja, 15 vezes mais do que a média histórica. Em muitas regiões temperadas, ambientes áridos e semi-áridos e na maior parte da América do Sul, incluindo a Amazônia, esse número poderia ser ainda maior, ultrapassando os 100 dias por ano.
Além da vulnerabilidade maior de répteis e anfíbios e das espécies que vivem em ambientes mais secos (os quais, portanto, já estão no limite das temperaturas aceitáveis), a equipe identificou que tanto a Amazônia como muitas regiões com ilhas ricas em biodiversidade (Caribe, ilhas do Pacífico, Madagascar, Indonésia, Austrália) correm especial risco nessas condições. “A distribuição restrita das espécies insulares pode ser uma das razões para isso”, explicou Murali à Folha de S.Paulo.
No caso das ilhas, isso significa que tais espécies basicamente não teriam para onde correr, já que seus habitats são naturalmente mais limitados que os localizados em continentes. Mas o caso de répteis e anfíbios é parecido mesmo em continentes, porque eles parecem depender de condições locais bastante particulares. Assim, não adiantaria tentar migrar para locais mais frescos, por exemplo, até porque eles “trombariam” com outras espécies já presentes ali.
Como a temperatura corporal de anfíbios e répteis também costuma depender da temperatura do ambiente, eventos de calor extremo aumentam o risco de desarranjos profundos no metabolismo deles. Isso não chegou a ser incluído na análise, mas é outra fonte de preocupação.
“Quando observamos a relação entre o limite termal fisiológico [do organismo dessas espécies] e a temperatura de base que usamos para definir os eventos extremos, descobrimos que essa temperatura era maior do que os limites fisiológicos”, diz Murali. “Portanto, estamos sendo conservadores e subestimando o impacto sobre essas espécies. Entretanto, nosso modelo não incluiu mecanismos fisiológicos de adaptação, como a regulação comportamental da temperatura do corpo, que poderiam mitigar os efeitos do calor extremo.
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