SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pelo menos 1,9 milhão de vacinados contra Covid-19 no Brasil receberam a 2ª dose do imunizante fora do prazo -o que equivale a quase 14% de todas as pessoas que completaram a trajetória vacinal com a Coronavac e com a Astrazeneca até 6 de maio.
Os números extraídos do DataSUS (sistema de informações do próprio Ministério da Saúde) mostram que 1,7 milhão de pessoas receberam a 2ª dose do imunizante com atraso. Outros 159,6 mil imunizados, por outro lado, receberam a 2ª etapa vacinal antes do intervalo mínimo estipulado entre as doses. Esses atrasos e adiantamentos, dizem especialistas, podem ter relação com falta de imunizantes -e há risco de comprometer a proteção contra a doença.
As informações foram tabuladas com exclusividade para a Folha. O rastreamento dos vacinados é possível porque cada pessoa imunizada é registrada com um código de identificação, no qual há informações sobre idade, dose da vacina recebida e grupo prioritário.
Retardamentos e antecipações na 2ª dose podem estar ligada à decisão do Ministério da Saúde de utilizar todo estoque vacinal disponível sob justificativa de que havia garantia de produção. A orientação foi feita em fevereiro pelo ex-ministro Eduardo Pazuello -que volta a depor nesta quinta (20) na CPI da Covid.
“Houve erro do Ministério da Saúde, que mandou os municípios utilizarem a segunda dose. As pessoas estão indo até as unidades e não tem vacina”, diz a epidemiologista e professora da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) Ethel Maciel.
Neste mês, por exemplo, foi confirmada a falta de imunizantes para a 2ª dose da Coronavac em UBSs da capital paulista. Quem não conseguiu o reforço da vacina precisa reagendar o retorno aos postos para nova tentativa.
As duas vacinas ministradas no Brasil desde janeiro têm intervalos diferentes entre doses, descritos nas respectivas bulas. Na Coronavac, há um lapso de 28 dias entre as doses; na AstraZeneca são três meses.
O intervalo necessário entre doses é definido nos testes clínicos das vacinas. “Tem a ver, por exemplo, com o tempo que o sistema imune responde ao estímulo da primeira dose, que é, no mínimo, de quatorze dias”, diz a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin (EUA).
No caso da Coronavac, que corresponde à maior parte das imunizações do país contra o coronavírus, quase 1,6 milhão de vacinados receberam a segunda etapa vacinal depois dos 28 dias estipulados entre doses -mas ainda antes de 45 dias.
Para cientistas, esse intervalo pode até ser aceitável como uma espécie de “prazo estendido”. Depois disso, a proteção contra a doença pode ficar comprometida.
O problema é que pelo menos 85,8 mil vacinados com a Coronavac no país tomaram a 2ª dose mais de 45 dias depois do início da trajetória vacinal.
A maioria dos vacinados que recebeu 2ª dose com atraso está, respectivamente, nos estados de Bahia (277,2 mil casos), Rio Grande do Sul (234,3 mil) e São Paulo (176,9 mil) -esse último também tem mais imunizados com a Coronavac que receberam a 2ª dose depois do “prazo estendido”: 13,9 mil pessoas.
Dentre os municípios, a maior quantidade de imunizados com a 2ª dose da Coronavac mais de 45 dias após o início da trajetória vacinal está na capital paulista: são 4,2 mil ocorrências registradas no DataSUS. Na sequência, aparecem o Rio de Janeiro (com 3 mil casos) e Maringá -a 430 km de Curitiba-, com 2,9 mil casos.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que “realiza uma avaliação do andamento da campanha de vacinação contra a Covid-19 em todo o país” com apoio do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems).
“Cabe esclarecer que, semanalmente, a pasta coordena reuniões com as gestões de saúde estaduais e municipais para definir a orientação adotada a cada nova distribuição, para o cumprimento da imunização.”
E segue: “O Ministério ressalta que a distribuição de doses aos estados é estimada de acordo com as previsões de entrega dos laboratórios”.
Por meio do monitoramento dos dados de vacinação do DataSUS, a Folha já mostrou que mais de meio milhão de pessoas que receberam a primeira dose da Coronavac no início da vacinação no Brasil não retornaram para receber a segunda dose do imunizante -o que é considerado abandono vacinal.
Indo além, pelo menos 16,5 mil pessoas vacinadas contra a Covid-19 no Brasil têm registro de primeira dose da vacina da Coronavac e a segunda dose da AstraZeneca ou vice-versa.
A maioria (14.791) começou a trajetória vacinal contra Covid-19 com a AstraZeneca e recebeu uma segunda dose da Coronavac. Uma parte menor (1.735 pessoas) recebeu primeiro a Coronavac e depois a vacina de AstraZeneca. O Ministério da Saúde nunca comentou esses dados.
Antecipação da dose pode derrubar eficácia A aplicação de 2ª dose depois do intervalo estabelecido pelos imunizantes não é o único obstáculo enfrentado na vacinação contra Covid-19. De acordo com a tabulação das informações do DataSUS, pelo menos 159,6 mil pessoas vacinadas até 6 de maio tomaram a 2ª etapa do imunizante antes do intervalo mínimo estipulado entre as doses. A aceleração do processo também prejudica a proteção contra a doença.
Dentre os que receberam a Coronavac, 142,2 mil vacinados voltaram para a segunda etapa vacinal antes de completadas duas semanas após a 1ª dose. “Ministrar a 2ª dose antes do sistema imune completar a resposta à primeira etapa pode afetar a proteção conferida”, explica Garrett.
Há, ainda, 17,3 mil pessoas vacinadas com AstraZeneca que receberam a 2ª dose menos de 30 dias após o início da trajetória vacinal, o que pode derrubar a sua eficácia.
A bula dessa vacina em produção pela Fiocruz informa 80% de eficácia do imunizante com a 2ª dose ministrada três meses após a 1ª dose. A taxa de eficácia, no entanto, cai para 55% se a 2ª dose for aplicada menos de seis semanas após a 1ª etapa da vacina.
São Paulo lidera a lista de estados com mais “apressados”: 40 mil pessoas tomaram a 2ª dose da vacina antes do que deveriam (35 mil vacinados com Coronavac voltaram para 2ª etapa antes de catorze dias; já 5.000 imunizados com AstraZeneca retornaram antes de 30 dias). Na sequência, figuram Minas Gerais (26 mil casos de antecipação da 2ª dose) e Paraná (com 18,9 mil casos).
Entre os municípios com maior quantidade de 2ª dose de vacina ministrada antes do intervalo mínimo estipulado em bula estão a capital paulista (com 17,2 mil casos), Maringá (14,9 mil casos) e Rio de Janeiro (4,3 mil ocorrências).
Esses municípios que lideram em antecipação da 2ª dose são, também, os que têm mais vacinados com atraso grave na 2a dose de Coronavac (mais de 45 dias).
Segundo Maciel, algumas pessoas podem estar voltando antes do prazo para completar a imunização com medo de faltar vacina -que, de fato, está escassa pelo país.
Para ela, o Ministério da Saúde erra por não fazer uma campanha ampla sobre a vacinação contra Covid-19. “As pessoas nunca tomaram, na vida adulta, uma vacina que precisasse retornar para 2ª dose”, diz. “Isso é algo novo, que pode estar gerando confusão.”
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