SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Oito meses após invadir a Ucrânia, a Rússia vê a guerra que iniciou chegar de vez a seu território. Diversas regiões do país, incluindo a capital, Moscou, foram colocadas em alerta máximo, e as quatro áreas anexadas do país vizinho, sob lei marcial.
A decisão foi anunciada nesta quarta (19) pelo presidente Vladimir Putin em uma reunião com seu Conselho de Segurança, que foi televisionada. É uma admissão tácita de que a situação está saindo do controle, a primeira do tipo no conflito.
Nos distritos federais central, onde fica Moscou, e sul, as autoridades poderão executar medidas de defesa civil e de apoio às Forças Armadas. Poderá haver um aumento no policiamento e controle de fluxo de pessoas, mas o prefeito moscovita, Serguei Sobianin, afirmou que nada vai mudar o ritmo da cidade.
Um comitê encabeçado pelo premiê Mikhail Michustin deverá detalhar ações adicionais. Nas oito áreas que fazem fronteira imediata com a Ucrânia, o chamado nível médio de resposta permitirá um reforço imediato de proteção da ordem, regime especial de transportes e comunicações, restrição na circulação e entrada/saída de pessoas e reassentamento de populações em áreas sob risco de ataques.
O nível máximo ocorre na Ucrânia ocupada. A lei marcial nas duas autoproclamadas repúblicas do Donbass, Lugansk e Donetsk (leste), e nas regiões administrativas de Kherson e Zaporíjia (sul) implica total controle sobre a vida civil e a possibilidade de medidas militares mais drásticas.
“Estamos trabalhando para resolver tarefas de grande escala, muito complexas, para garantir um futuro confiável para a Rússia e para nosso povo”, disse o presidente.
Na prática, a emergência já começou em Kherson, área que segundo o novo comandante militar russo da invasão, Serguei Surovikin, está sob ameaça iminente de um ataque de Kiev. O governo local determinou que de 50 mil a 60 mil pessoas sejam evacuadas da capital regional e seu entorno para áreas mais ao sul, protegidas fisicamente pelo rio Dnieper, que separa uma fatia ao noroeste do resto da região.
Segundo o administrador pró-Kremlin do local, Vladimir Saldo, disse à TV estatal Rússia 1, “todo o governo já está mudando hoje [quarta]” para a margem esquerda do Dnieper.
A medida adiciona complexidade à fase atual da invasão iniciada em 24 de fevereiro. Kherson, a vizinha Zaporíjia e as duas autoproclamadas repúblicas do Donbass foram anexadas por Putin após referendos feitos às pressas por autoridades locais em setembro.
Ao mesmo tempo, o Kremlin iniciou uma impopular mobilização de 222 mil reservistas para, nas palavras de Putin, estabilizar as frentes. Segundo o presidente e seus assessores, o novo território é “russo para sempre” e será defendido se preciso com armas nucleares, o que gerou um grande alarme no Ocidente.
Há um temor de que o russo possa empregar uma ogiva nuclear tática, de baixa potência, com finalidade de barrar movimentos de tropas e assustar os ucranianos. Militarmente parece não fazer muito sentido, pois muitas seriam necessárias, elevando riscos de contaminação, e politicamente o Kremlin estaria arriscando a Terceira Guerra Mundial com a Otan (aliança militar liderada pelos EUA).
Desta forma, a ameaça parece ser isso, para ganhar tempo. Desde a semana passada, a dinâmica do conflito mudou. Usando um ataque atribuído a Kiev à ponte que liga a Crimeia que anexou em 2014 à região de Krasnodar, na Rússia, Putin determinou ataques à infraestrutura energética ucraniana.
O resultado, segundo o presidente Volodimir Zelenski, foi a destruição de 30% das centrais de distribuição de energia elétrica do país, deixando mais 1.000 cidades e vilas sem luz ou água -o sistema precisa de eletricidade para funcionar. Os ataques continuaram, com mísseis e drones kamikazes iranianos, nesta quarta.
Agora, a lei marcial naquilo que chama de novas fronteiras da Rússia. O movimento em Kherson é especialmente simbólico porque a capital homônima da região foi a primeira grande cidade ucraniana a cair em mãos russas, logo no começo da guerra.
Mas sua posição exposta a duas frentes ucranianas e com o rio Dnieper tendo suas pontes principais destruídas por artilharia americana operada por Kiev a transformou em algo quase indefensável. O que parecia deter uma ação maior de Kiev era o fato de que ela tinha boa parte dos seus 300 mil habitantes.
A evacuação, se eficaz, abrirá caminho para ou a entrega da cidade ou a sua transformação em um inferno de bombardeios -a opção nuclear parece exagerada a esta altura, ainda que tanto a Otan quanto a Rússia estejam em meio a manobras simulando ataques atômicos. Uma crise humanitária, contudo, está garantida de cara. Com efeito, o governo de Zelenski descreveu a medida como “um show de propaganda”.
Já as medidas em solo russo reconhecido terão impacto ainda incerto sobre a moral da população. A aprovação de Putin já havia começado a cair -ainda em níveis estratosféricos, contudo- com a mobilização que deve acabar na semana que vem. Em Moscou, por exemplo, ela já foi encerrada.
Uma coisa é certa: a guerra já havia entrado no cotidiano russo aos poucos, com as sanções ocidentais e, depois, a mobilização. Segundo dois analistas políticos ouvidos pela reportagem, tudo indica haver uma preparação por parte do Kremlin para fazer a população aceitar a retirada de parte de Kherson e talvez ainda mais más notícias para Putin, que já havia perdido áreas ocupadas em Kharkiv (nordeste) em setembro.
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