(FOLHAPRESS) – Paulistanos têm recorrido à realidade virtual a fim de tratar fobias, que são o medo irracional extremo de situações, objetos, animais ou atividades.
Neste ano, uma revisão de estudos avaliou a eficácia do método e concluiu que os resultados são positivos, apesar de a qualidade metodológica ter sido considerada baixa por haver poucos voluntários.
A revisão, publicada em maio deste ano na revista científica Disability and Rehabilitation, concluiu que as técnicas analisadas em 18 pesquisas foram eficazes contra fobias como as que envolvem injeção, medo de animais e as chamadas fobias naturais, que incluem temor de água, tempestade e escuro, por exemplo.
Os pesquisadores ressaltam em suas conclusões que o custo dos equipamentos para os pacientes e o caráter inovador dessas técnicas podem representar desafios para a aceitação do tratamento.
Na visão de pacientes, o tratamento tem se mostrado positivo. Esse é caso do professor universitário Francisco Nascimento, 35, que mora em São Paulo.
Antes da pandemia de Covid, Nascimento viajou de ônibus para o Rio de Janeiro junto com o companheiro. Um dos passeios que o casal pretendia fazer era subir de bondinho até o Morro da Urca e depois ir ao Pão de Açúcar. O problema é que o professor tinha fobia de altura e passou mal.
Francisco procurou a psicóloga Juliane Verdi Haddad, que usa realidade virtual para tratar fobias.
Tratamentos com e sem a realidade virtual são feitos por meio da exposição do paciente à causa do medo extremo. No entanto, em casos como medo de viajar de avião, por exemplo, a abordagem pode ser complexa e até inviável sem a tecnologia.
Utilizando um programa de computador ligado a óculos de realidade virtual, a terapeuta transmite imagens que simulam as situações para o paciente e faz intervenções. Os óculos mais baratos custam cerca de R$ 90.
Apesar de os pacientes saberem que estão em uma sala, a fobia não diferencia o mundo físico do virtual, explica a psicóloga. “A fobia é um transtorno de ansiedade causado por medo irracional. Nós enganamos o cérebro, então o corpo sente”, diz. As sessões com realidade virtual podem variar de 5 a 20 minutos.
Francisco tinha dúvidas sobre a eficácia do tratamento e achava que a experiência não seria muito diferente de jogar videogame, mas as sessões o fizeram mudar de ideia. “A sensação é igual a estar no aeroporto”, afirma.
O paciente conta que perdeu chegou a perder uma promoção no trabalho por causa da fobia. “Eu precisaria fazer viagens de avião, então recusei”, diz ele, que sentia sintomas da ansiedade comuns à condição, como náusea, tremores, calafrios, suor em excesso, dor de cabeça, tontura, vertigem, tensão muscular, aumento da frequência dos batimentos cardíacos, boca seca e até dificuldade para respirar.
Foram mais de quatro meses de tratamento com sessões quinzenais até Francisco receber alta no fim do ano passado. Desde então, ele viajou de avião três vezes.
Carolina da Luz, 26, tinha muita dificuldade de falar e estar em público. A ansiedade a atrapalhou na escola e também na faculdade. A jovem, que mora em São Paulo, conta que teve um ataque de pânico prestes a entrar no micro-ônibus que leva e traz os alunos de uma universidade do interior do estado porque estaria rodeada de pessoas desconhecidas durante todo o trajeto. Os pais acabaram a levaram para a aula, mas na volta precisou encarar o coletivo.
“Eu voltei com muita dor na barriga. O mal-estar passou no momento em que cheguei em casa”, diz.
Luz foi diagnosticada com fobia social por Cristiane Maluhy Gebara, psicóloga e professora do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).
Gebara, que atende em consultório particular, usa um aplicativo de realidade virtual que criou há cerca de nove anos.
O aplicativo SocialUP3D simula situações comuns, como pedir informações a alguém na rua. São momentos que causam sofrimento em pessoas com fobias sociais. Para a sessão, é necessário um smartphone e um Cardboard -óculos desenvolvidos pelo Google.
O Cardboard pode ser comprado por cerca de R$ 40 na internet, e o aplicativo está disponível para aparelhos Android gratuitamente.
A técnica faz parte da abordagem da terapia cognitivo comportamental, que busca tratar os pacientes identificando padrões de pensamento e ações que influenciam negativamente suas vidas.
Após dois meses de tratamento, em 2019, Luz recebeu alta. Ela terminou a faculdade de psicologia e, desde janeiro deste ano, oferece aos seus pacientes o mesmo tratamento que aliviou a fobia social.
Tanto Gebara quanto Haddad atendem presencialmente e a distância. Segundo as profissionais, a possibilidade de interagir com qualquer pessoa em qualquer lugar torna o tratamento mais acessível, em especial para pessoas que teriam dificuldade de ir ao consultório devido à fobia.
O uso da técnica, porém, é contraindicado para grávidas e pessoas com vertigem, problemas cardiovasculares, transtornos mentais graves, como esquizofrenia e psicose. Também não é recomendado para quem passou por cirurgias recentemente ou foi diagnosticado com epilepsia.
Gebara diz que não ter conhecimento do uso de realidade virtual para tratar fobias por meio do SUS (Sistema Único de Saúde).
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