RAFAEL BALAGO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Em novembro de 2021, durante a COP26, o presidente Joe Biden prometeu que os Estados Unidos investiriam US$ 9 bilhões para combater o desmatamento no mundo. No evento de Glasgow, mais de cem países, incluindo o Brasil, se comprometeram a zerar o desmatamento até 2030, daqui a oito anos.
No dia seguinte à fala de Biden, o deputado democrata Steny Hoyer apresentou um projeto com um longo nome: Lei para Mitigar e Atingir Zero Emissões Vindas da Natureza para o Século 21. O apelido é Amazon21 Act.
O pacote prevê que o fundo de US$ 9 bilhões será voltado para o combate do desmatamento –assim haverá redução das emissões de carbono, já que a derrubada de árvores libera gases na atmosfera. O deputado calcula que o corte de poluentes equivaleria a retirar todos os carros das estradas dos EUA durante dois anos.
“Essa é uma questão que demanda ação urgente e compromisso de longo prazo, como parte de um amplo esforço global para confrontar a crise climática”, disse Hoyer, ao anunciar o projeto.
Oito meses depois, há pouco sinal de urgência: o plano foi enviado em novembro para o Comitê de Relações Exteriores da Câmara e, desde então, não teve mais movimentações.
Na segunda (10), Hoyer voltou a comentar o projeto. “Estou profundamente consternado ao ver as notícias de que o desmatamento da floresta amazônica atingiu um novo recorde. Esse desmatamento é uma ameaça séria ao nosso planeta, que não pode ser ignorada”, disse o deputado, em comunicado.
Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostraram alta do desmatamento em junho: houve a derrubada de 1.120 quilômetros quadrados de floresta, maior número para o mês desde 2016.
“Eu continuo a trabalhar com meus colegas dos dois lados da Câmara para garantir que possamos avançar uma legislação robusta Amazon21 que irá enfrentar os impactos do desmatamento e das mudanças climáticas. Espero levar uma lei de consenso para ser votada no Plenário o mais rápido possível”, disse Hoyer à Folha, ao ser questionado sobre as expectativas para o avanço da proposta.
O valor do pacote, de US$ 9 bilhões, é relativamente baixo frente ao orçamento federal total dos EUA. Para o ano fiscal de 2022, Biden propôs gastar US$ 6 trilhões ao todo. No entanto, o aumento da dívida pública dos EUA é apontado pela oposição republicana como uma das causas da inflação recorde que atinge o país. O dado mais recente, de junho, mostrou que os preços ao consumidor subiram 9,1% nos últimos 12 meses.
Frente a isso, mesmo alguns parlamentares democratas têm se recusado a aprovar planos que tragam novos gastos, com receio de serem acusados de piorar a inflação. Haverá eleições legislativas em novembro, e os cargos de todos os deputados e de parte dos senadores estarão em jogo.
Com muitos problemas a resolver, Biden tem optado por gastar capital político em outros temas, como um pacote de restrição no acesso a armas e em medidas para tentar conter a inflação.
O Amazon21 não definiu quanto dos US$ 9 bilhões iriam para a Amazônia brasileira, mas abre espaço para que empresas possam fazer mais contribuições e ampliar o montante.
A verba seria administrada pelo Departamento de Estado e pela Usaid (Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA), para ser usada em ações como capacitar países a entrarem nos mercados de carbono e adotarem atividades econômicas de menor impacto ambiental.
Um ponto que pode dificultar o envio de recursos ao Brasil é que o dinheiro seria liberado a partir de resultados a serem medidos de forma independente. Assim, a piora nos dados de desmatamento, como ocorrido em junho, dificultaria a vinda de novos recursos.
Para Paulo Moutinho, cofundador do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), a postura dúbia do governo Bolsonaro reduz as chances de investimentos estrangeiros para a preservação ambiental no país.
“O governo pede dinheiro para conservar a Amazônia, mas ao mesmo tempo faz uma força grande para aprovar leis no Congresso que geram desmatamento, conflitos no campo e perda de direitos dos povos indígenas”, diz Moutinho. “Duvido que algum país vá fechar algum acordo antes da definição da eleição.”
Moutinho e outros ambientalistas ouvidos pela reportagem avaliam que o projeto pode trazer um montante de peso de novos recursos e que a cooperação internacional é muito importante para ajudar na preservação ambiental. Mas, para eles, a questão principal é como fazer o dinheiro chegar até onde precisa, já que a aplicação dos recursos depende muito da atuação do governo federal, de governos estaduais e da participação da sociedade.
“Esse dinheiro pode não servir para nada se for mal gerido. E isso depende do governo de plantão, principalmente o governo central. Hoje qualquer recurso que caia certamente não vingará em conservação ou desenvolvimento sustentável, porque não há vontade política para desenvolver a região”, avalia o pesquisador do Ipam.
“Temos na Amazônia grandes estoques de floresta que são áreas protegidas em territórios indígenas ou áreas sob gestão de comunidades, mas a maior parte dos recursos não chega na mão dessas comunidades. Ele vai ficando nas agências de cooperação internacional, em organizações não governamentais, consultorias que fazem estudos”, aponta Adriana Ramos, assessora do ISA (Instituto Socioambiental).
Outro ponto questionado é o foco do projeto em compensar emissões de carbono. Isso abre espaço para o financiamento de atividades econômicas de menor impacto na floresta. Por outro lado, permite a países como os EUA continuarem emitindo poluentes em grandes quantidades, sob argumento de que a sujeira está sendo compensada de alguma forma.
“O projeto não trata do que precisa ser feito para realmente reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Ele mantém um sistema que permite às indústrias continuarem a poluir. Ele realmente não é sobre proteger florestas”, avalia Diana Ruiz, líder de projetos do Greenpeace nos EUA.
Ruiz considera que o governo americano teria resultados mais efetivos no combate ao desmatamento se adotasse regulações mais fortes sobre a importação de mercadorias que podem se beneficiar do desmatamento, como carne, madeira e grãos, caso sejam produzidos em áreas que foram devastadas.
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