DADO GALDIERI
RIO DE JANEIRO, RIO (FOLHAPRESS) – Durante a pandemia, a professora da rede municipal do Rio de Janeiro Maura Silva, 49, visitou em casa os estudantes para lhes entregar capas plásticas e máscaras – uma espécie de “kit abraço”.
Era a proteção necessária contra a Covid-19 para poder então abraçá-los, uma forma de demonstrar que estavam juntos, mesmo que fora da sala de aula.
Mineira de São João del Rey, Maura dá aulas na rede municipal do Rio desde 2001. Seus atuais alunos cursam do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental em uma escola do bairro de Padre Miguel, zona norte da cidade.
O gesto de tocar as crianças, na visita às casas, não passou batido na volta para a escola, em fevereiro, conta a docente.
“Até hoje somos lembrados e falam sobre nossos abraços, do movimento e sentimento que envolveu o ‘kit abraço'”, conta ela. “A relação com a família é muito mais coletiva. As crianças falam com amor de nossos abraços. Foi especial para elas, pelo fato da professora ter ido até elas, ter estado em suas casas. Se sentem em um lugar importante da minha vida”.
Com a volta das aulas presencial, Maura tem feito uma busca ativa para resgatar os alunos que ainda não regressaram.
O desafio, agora, é equilibrar a diferença entre os que conseguiram aprender e os que ficaram atrasados com a distância física da escola. “Percebo as diferenças gritantes nos níveis de aprendizagem. Alguns tiveram um acompanhamento mais efetivo da família com as atividades, outros alunos tiveram muitas situações que dificultaram”, diz.
A falta de apoio nos estudos, lembra ela, não foi só do meio eletrônico – internet e celular -, mas também a dificuldade de ter alguém em casa para orientar nos trabalhos. “Tivemos um trabalho muito proveitoso pois levei, de todas as formas possíveis, trabalhos aos alunos os quais consegui estar perto e a maioria, ao retornar, esta conseguindo acompanhar”.
Defensora do que chama da pedagogia da proximidade e adepta dos ensinamentos do intelectual brasileiro Paulo Freire, Maura conta que utiliza vínculos emocionais passar o conteúdo para uma população jovem e carente. “É tudo educação, o afeto é o motor, precisamos reaprender a nos querer. Quando me abro ao outro, o outro se abre pra mim” diz a professora.
Em sua sala de aula, ela inclusive tem vários equipamentos – máquina de algodão doce, pipoqueira, livros – para dar um ar mais familiar ao local.
A pandemia foi, por isso, um golpe duro para Maura, acostumada a entregar este carinho e atenção. Durante uma aula remota, uma aluna antiga a quem ela havia ajudado com problemas de deficit de atenção no passado, disse que sentia saudades do abraço da professora. “Isso me partiu o coração, vi que estávamos nos desconectando e fiquei pensando no que fazer para que todo o esforço de aprendizado não fosse em vão”.
Depois de ver uma fotografia de jornal mostrando um abraço através de proteções plásticas, Maura considerou criar e distribuir seus próprios “kits de abraço”.
A partir dai passou a buscar pacotes de guloseimas, a costurar máscaras à mão, a comprar capas de chuva transparentes e a contratar um carro de som para levar músicas aos alunos.
Ela então saiu pelas ruas de Padre Miguel, Bangu e Realengo, com seus kits e um pouco de álcool para proteção. Vestia, sempre que podia, uma camiseta com os dizeres: “O melhor lugar do mundo é dentro de um abraço”.
Suas visitas foram fundamentais para ajudá-los a lidar com a solidão, isolamento e mesmo depressão, bem como para manter os alunos minimamente interessados em um formato de ensino desenvolvido as pressas.
Por isso, reencontrar os alunos em 2022 tem um sabor de acolhida que nunca deixou de existir, apesar da pandemia. “Voltamos para a escola mais felizes, com mais esperança, ligados, sem estranhamento no convívio. É difícil mensurar o que senti em cada abraço”.
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