SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Embora a vacinação contra a Covid-19 tenha começado em mais de 50 países no mundo, as produtoras de vacinas agora travam uma corrida contra o tempo para garantir proteção às novas variantes do coronavírus.
Na última semana, as farmacêuticas Pfizer/BioNTech e Moderna, precursoras na disputa pela vacina de Covid com a tecnologia de RNA mensageiro, afirmaram que seus imunizantes são eficazes contra a variante do Reino Unido, mas que essa eficácia cai consideravelmente quando avaliada a variante da África do Sul.
Os testes, feitos em laboratório a partir do soro de indivíduos que já foram vacinados nos Estados Unidos, foram divulgados em um artigo pré-print (ainda sem revisão de pares).
Com o soro dos indivíduos vacinados em mãos, os cientistas testaram-no para as cepas isoladas de cada linhagem, bem como para cada tipo de mutação encontrada –o objetivo é desvendar se é uma única alteração que afeta a proteção imunológica ou o conjunto delas.
O que os pesquisadores observaram é que a taxa de anticorpos neutralizantes no sangue caía em uma taxa de duas a três vezes, quando comparada à variante da Inglaterra, e de seis a oito vezes, no caso da variante da África do Sul. Os anticorpos são apenas um dos mecanismos do sistema imune de defesa contra o vírus.
Verônica Coelho, imunologista do Incor (Instituto do Coração da USP) e integrante do grupo Observatório Covid-19 BR, uma iniciativa de diversos pesquisadores voltada para a análise e divulgação de informações sobre a doença, explica que a presença de anticorpos neutralizantes é apenas um dos elementos de proteção. Ela diz que ainda são necessários dados mais robustos sobre a infecção pelo Sars-CoV-2 para entender seu papel.
“Mesmo para as outras linhagens, as mais antigas, a gente viu despencar os níveis de anticorpos após cinco, seis, até oito meses da infecção. Isso não significa que não pode ter uma proteção celular que está dando conta de garantir imunidade.”
As vacinas, assim, ainda devem proteger contra quadro severo da doença e são fundamentais para garantir imunização contra as linhagens pré-existentes do vírus.
Além da Pfizer e da Moderna, outras farmacêuticas divulgaram dados de eficácias de suas vacinas, com algumas questões interessantes para o estudo das novas variantes.
A Novavax anunciou eficácia de quase 90% de sua vacina de RNA em estudos clínicos conduzidos no Reino Unido. A boa notícia: mais da metade dos 62 casos de Covid reportados no estudo eram da nova variante B.1.1.7, mas a taxa de proteção continuou alta, indicando proteção contra essa linhagem.
Por outro lado, um estudo conduzido com participantes na África do Sul apontou um índice de proteção abaixo de 50%, e 92% dos 44 casos confirmados da doença foram causados pela nova variante sul-africana, chamada B.1.351.
Mais preocupante ainda, cerca de um terço dos voluntários tinha resultado sorológico positivo para infecções prévias do vírus, o que indica que as contaminações que ocorreram no estudo foram todas com a nova linhagem.
Nesse caso, a imunidade prévia ao vírus não garantiu proteção, o que traz mais evidências a favor da hipótese de escape do sistema imunológico dessa variante.
Resultados preliminares dos ensaios de fase 3 da vacina da Janssen, braço do laboratório Johnson & Johnson, divulgados na última sexta-feira (29), também apontam para uma menor proteção contra a variante da África do Sul.
A vacina se mostrou eficaz com uma dose única do imunizante, produzido a partir de um adenovírus (vírus de resfriado comum) modificado com o gene que codifica a proteína S do Spike do Sars-CoV-2 (a espícula ou gancho que o vírus usa para entrar na célula). A proteção contra o surgimento da doença, incluindo casos moderados e graves, foi de 66%, mas ela foi muito mais eficaz em proteger contra quadros graves da doença (85%).
No estudo conduzido no país sul-africano, no entanto, a taxa caiu para 57%, embora ainda seja uma boa vacina e acima do limiar preconizado pela OMS para vacinas contra a Covid-19.
De acordo com pesquisas recentes, a mutação E484K, encontrada na variante sul-africana, seria a responsável por essa “fuga” do sistema imunológico. Essa mesma mutação foi encontrada na variante de Manaus (chamada de P.1), uma linhagem do vírus que evoluiu independentemente na região do estado do Amazonas e que têm causado grande preocupação em especialistas.
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Ainda não há, no entanto, evidências que apontem para uma maior transmissibilidade das variantes B.1.351 e P.1, mas a alta de casos nos dois locais onde elas foram identificadas, notadamente em duas regiões que já foram fortemente afetadas pela pandemia no primeiro semestre de 2020, levam a crer em uma vantagem adaptativa dessas mutações para não somente ter maior potencial transmissível, mas também estar associada a casos de reinfecção.
A Fiocruz Amazônica, instituto ligado ao Ministério da Saúde, responsável pela identificação e sequenciamento da variante de Manaus, informou que compartilhou dados da nova cepa com a Fiocruz do Rio de Janeiro, e que esses resultados devem ser enviados à AstraZeneca, farmacêutica responsável pelo desenvolvimento da vacina.
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No caso da Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e produzida no país pelo Instituto Butantan, em São Paulo, a vacina é composta do vírus inteiro inativado. A proteção por anticorpos que se ligam a outras partes do vírus, e não somente à proteína S, poderia ser uma vantagem da vacina.
“Essa é a teoria, mas na prática, também só vamos saber isso com mais estudos”, diz Coelho.
Por outro lado, as baixas taxas de resposta celular encontradas no ensaio clínico de fase 2 apontam para uma resposta imune adaptativa inferior à observada com outras vacinas.
Uma vantagem das vacinas que utilizam RNA mensageiro ou partes do vírus para induzir a resposta imune seria o desenvolvimento mais acelerado de novas vacinas com base no material genético das novas variantes. A Moderna anunciou que já está estudando uma nova vacina contra a linhagem B.1.351, e a Pfizer disse que uma vacina com essas características levaria seis semanas para ficar pronta.
Mas embora sejam mais facilmente modificadas geneticamente, as vacinas mais modernas têm custo elevado para o país, não só pelo valor unitário da dose, mas também pela cadeia de frio para preservação, necessitando de armazenamento em ultracongeladores a -70?C e -20?C.
Para Mônica De Bolle, economista e professora da Universidade Johns Hopkins, também integrante do Observatório Covid-19 BR, o Brasil precisa pensar mais em investir na sua capacidade de fabricação de vacinas para conseguir imunizar toda sua população.
Nesse sentido, testar as vacinas que serão produzidas aqui no país pela Fiocruz e Instituto Butantan, respectivamente a da Oxford/AstraZeneca e Coronavac, contra as novas variantes do coronavírus, todas já circulantes no país, é primordial.
“A vacina da Pfizer tem capacidade de mudar esse trecho do material genético do vírus, mas ela é, no momento, uma visão para nós. No caso da vacina da Oxford, ela também tem uma boa capacidade para fazer essa sintonia fina para as novas variantes do vírus que causarem preocupação -e muitas outras devem surgir.”
Enquanto os pesquisadores e desenvolvedores de vacinas continuam testando seus imunizantes contra as novas variantes, a resposta mais efetiva contra a pandemia segue sendo a mesma dos últimos 12 meses: distanciamento social, uso de máscaras de proteção com uma boa cobertura facial e uso correto no rosto –devem cobrir o nariz e a boca e não ter aberturas laterais–, evitar aglomeração, sempre que possível manter as janelas abertas e fazer higiene das mãos.
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