Prefeitura de SP internou 22 usuários de droga de forma involuntária

Desde abril, a prefeitura de São Paulo internou 22 usuários de drogas de forma involuntária. A informação foi divulgada hoje (6) pelo prefeito da cidade, Ricardo Nunes.

“Temos atendimento para todas as pessoas que necessitarem. Estamos intensificando algo que já existe na lei estabelecida em 2019 que é a internação involuntária. Nesse caso, os parentes solicitam ao Poder Público que esse paciente seja analisado por um médico. Uma vez o médico fazendo a análise e achar que é importante, faz-se a internação involuntária”, disse o prefeito.

A internação involuntária – que ocorre quando não há o consentimento do usuário, mas atendendo a um pedido de um familiar ou responsável legal – foi sancionada pelo presidente da República Jair Bolsonaro em 2019. Pela lei, essa internação depende de uma autorização médica e também de um familiar ou responsável legal. 

Segundo a lei, a internação involuntária deve ocorrer no prazo de tempo necessário para a desintoxicação do paciente, sendo um máximo de 90 dias. Todas as internações e altas devem ser informadas ao Ministério Público, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização em até 72 horas.

Esses pacientes estão sendo internados no Hospital Bela Vista, no centro da capital paulista, hospital municipal de referência para atendimento da população em situação de rua. “Essa internação é por 90 dias, é feita a desintoxicação e ele continua em tratamento tanto no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas [CAPs] como no Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica [SIAT]”, disse o prefeito.

Segundo Nunes, as pessoas que tiverem familiares usuários de crack podem procurar uma unidade do CAPs, uma das unidades de pronto atendimento (UPAs) ou a tenda do SIAT emergencial na Rua Helvétia.

O SIAT foi criado de forma emergencial pela prefeitura para atender os dependentes químicos em situação de vulnerabilidade. Ele foi instalado na Rua Helvétia, um dos locais para onde o fluxo da Cracolândia se dirigiu após ter sido dispersado da Praça Princesa Isabel em uma operação policial deflagrada em maio.

Além da internação involuntária, a lei prevê a existência de mais dois tipos de internação: a voluntária, que atende a um pedido do próprio usuário; e a compulsória, que é determinada pela Justiça.

A prefeitura está promovendo dois tipos: a involuntária e a voluntária. No caso da voluntária, disse o prefeito Ricardo Nunes, a prefeitura tem realizado cerca de 400 internações por mês.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que o tratamento para a dependência química deve ser feito de forma voluntária e com consentimento do usuário. Para a OMS, o confinamento involuntário só deveria ocorrer como medida emergencial.

Essa é a opinião também de especialistas e de movimentos que atuam com essa população, como a psicóloga Laura Shdaior, articuladora do núcleo de práticas de redução de danos do Centro de Convivência É de Lei. “As internações involuntárias podem ocorrer em alguns contextos específicos, mas não podem ser uma política pública”, disse em entrevista à Agência Brasil.

Para a psicóloga, as duas estratégias que vêm sendo utilizadas atualmente pelo Poder Público de dispersão dos usuários da Cracolândia e de estímulo das internações tem objetivos eleitoreiros e econômicos, já que há muita especulação imobiliária naquele território. 

“A opinião pública foi sendo conquistada para que isso seja aceito agora numa boa. Toda essa ação policial, com essa constante dispersão dos usuários, com essa violência policial constante, e que não permite que os usuários fiquem em qualquer cena de uso, vai plantando na sociedade uma ideia de que é preciso fazer alguma coisa. E aí pronto: você cava na população a possibilidade de que a internação é uma boa pedida. Tudo isso foi pensado, foi uma estratégia do Poder Público. Começa com todo aquele aparato policial descabido e aí ou manda para a cadeia ou agora manda para a internação, com apoio da opinião pública que ficou aterrorizada com tudo isso que vem acontecendo”, disse Laura.

A prefeitura e o governo estadual afirmam que a estratégia de dispersão dos usuários têm contribuído para aumentar a busca dos usuários pelas internações. No SIAT, informou a prefeitura, a procura aumentou quase cinco vezes, passando de 27 encaminhamentos em janeiro para 133 em abril. No CAPS, segundo a administração municipal, essa procurou cresceu 28%, passando de 493 atendimentos em janeiro para 580 em abril. Para Laura, esse aumento na procura pelas internações não significa que o problema será resolvido.

“A grande questão é que essas pessoas não vão resolver seus problemas sendo internadas. A maioria das pessoas que está na Cracolândia tem problemas que vão muito além das drogas. São pessoas que não tem emprego, não tem moradia, não tem família, não tiveram acesso à educação, tem tuberculose, tem Aids, foram violentadas em casa. Então, elas são internadas, ficam sem usar [a droga], saem da internação e voltam para a mesma situação onde não têm casa, não têm emprego, não têm nada”, disse.

Na avaliação de Laura, estas pessoas volta para a rua e para a mesma situação em que estavam antes de serem internadas. “Só vai ter gasto dinheiro público e produzir uma sensação de fracasso nessas pessoas de que mais uma vez nada resolveu e não vai resolver. A maior parte dessas pessoas já foi internada mais do que uma vez”.

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