No momento em que cerca de 70% da população brasileira está vacinada contra a covid-19 ao menos com a primeira dose e se sente mais à vontade para retomar viagens aéreas, um fator pode complicar os planos de voar: o preço dos bilhetes. A inflação generalizada pesou sobre o setor de aviação. No acumulado de 12 meses, as passagens aéreas tiveram alta de 56,81%, ficando atrás apenas de quatro itens, três deles do grupo de alimentos, além do etanol. A diferença é considerável se comparada ao índice geral da inflação acumulada de 12 meses, que ficou em 10,25%, o maior desde fevereiro de 2016.
Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira ajudam a confirmar o sentimento de quem está na busca de um voo acessível, mas não encontra preços que caibam no bolso. É o caso da analista de sistemas Suellen Gonçalves Guimarães, de 35 anos.
Desde junho, ela estava em busca de um destino para, com a família, aproveitar as férias escolares de janeiro. Residente em Brasília, ela pensou em partir para Salvador (BA), mas a viagem para quatro pessoas custaria R$ 5,2 mil só em passagens. Mesmo com oito meses de antecedência, o valor é considerado altíssimo pela família.
Suellen tentou outros destinos, mas o desembolso continuou inviável. A analista de sistemas conseguiu viajar para Fortaleza (CE) no início do ano com as duas filhas e o marido. Os pais de Suellen não embarcaram em razão da pandemia. Agora, com o avanço da vacinação, planejavam ir. Mas os planos acabaram frustrados em razão do preço das passagens.
“Estamos tentando a estratégia de viajar em julho de 2022. Estou monitorando as passagens, que também não têm muita diferença. O preço continua salgado”, diz Suellen.
A alta dos combustíveis está diretamente ligada a essas tarifas salgadas, outro pesadelo do brasileiro. O setor aéreo é extremamente sensível a esse produto, porque o querosene de aviação é um dos principais custos para as companhias.
Relatório da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ressalta esse peso. Na média do segundo trimestre, o valor do litro do querosene de aviação ficou 91,7% superior ao verificado em igual período de 2020.
A reabertura da economia e o aumento da demanda devido ao avanço da vacinação são outros fatores que explicam o aumento no preço dos bilhetes. A busca pelos destinos nem sempre é acompanhada por uma oferta suficiente por parte das companhias.
A Anac aponta para aumento nas passagens nos meses de abril, maio e junho. Em relação aos mesmos meses do ano passado, o avanço no preço médio dos voos domésticos foi de 21,7%. A variação também pode ser explicada pela queda que o tíquete médio sofreu no segundo trimestre de 2020, quando a pandemia fez o volume de voos despencar mais de 90%.
Tarifa dinâmica
Questionada sobre a alta que o IBGE apontou, a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) afirma que o levantamento da Anac é o que “melhor retrata o comportamento das tarifas aéreas”, já que considera todos os bilhetes comercializados num determinado período. Já o IPCA, do IBGE, considera um recorte específico de datas e de destinos mais visitados.
Em nota, a Abear destaca que, no segundo trimestre deste ano, a tarifa média doméstica caiu 19,98% em relação ao mesmo trimestre de 2019, anterior à pandemia. “O preço médio do bilhete foi de R$ 388,95, ante R$ 486,10. O ‘yield tarifa aérea’ (valor pago pelo passageiro por quilômetro voado), por sua vez, teve retração de 32,3% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2019”, diz.
A reportagem procurou as principais companhias aéreas brasileiras para que comentassem a questão. As três destacam que a precificação segue uma série de fatores. A Azul ressalta que a alta do dólar e do combustível, que vem ocorrendo sistematicamente, também influencia nos valores.
A Gol afirma que disponibiliza as vendas de seus voos, em geral, 330 dias antes da partida, possibilitando a quem se planejar com maior antecedência adquirir passagens mais baratas. Em nota, a Latam ressalta que, para a definição do valor da passagem, é preciso levar em conta que 65% dos custos da empresa são dolarizados e que o combustível da aviação representa em torno de 35% das despesas.
Tendência
Ao analisar a inflação das passagens aéreas, o secretário nacional de Aviação Civil do Ministério da Infraestrutura, Ronei Glanzmann, lista como justificativas o patamar elevado do dólar e do petróleo, o avanço da vacinação e a pressão maior no mercado aéreo doméstico, além da tendência de recomposição de margem pelas companhias.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Glanzmann disse que o brasileiro deve enfrentar uma alta temporada movimentada e com preços elevados. Apesar de o ministério preferir trabalhar com os dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e não com os do IBGE – que faz seus cálculos a partir de ‘cesta’ específica de destinos -, o secretário reconhece que a medição do IPCA sinaliza para bilhetes mais caros. “Acredito que os números da Anac vão sinalizar no mesmo sentido. Quem está comprando passagem está percebendo isso. Então, de fato, há uma tendência de aumento de preço”, afirma.
Glanzmann prevê normalização dos preços ao longo de 2022, quando as malhas das companhias voltarem ao nível pré-pandêmico. Isso pode mudar de figura, no entanto, a depender das variáveis macroeconômicas, como câmbio e petróleo. O dólar e o combustível altos estão entre as principais causas do preço dos bilhetes aéreos.
Outro fator é a tendência de recomposição de margem das empresas aéreas. Com a vacinação avançada e a expectativa de que o retorno do mercado aéreo não seja um “voo de galinha”, as companhias devem aproveitar para tentar recompor parte dos prejuízos que tiveram na pandemia. “Como elas vêm de um longo e tenebroso inverno, então, de fato, tem uma tendência de recomposição de margem”, diz o secretário, lembrando que a ferramenta para controlar essa margem é a oferta de voos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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