SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – De janeiro a maio deste ano, 98 crianças recém-nascidas foram entregues pela mãe de maneira voluntária para adoção no estado de São Paulo, uma média de 19 por mês. É o que aponta um levantamento do Tribunal de Justiça do estado obtido pela reportagem.
O procedimento, semelhante ao que fez a atriz Klara Castanho, 21, é previsto pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e é sigiloso. Mas não foi o que ocorreu no caso dela.
Klara revelou no sábado (25) que foi vítima de um estupro e manteve a gestação, entregando a criança para adoção após o nascimento.
A atriz relatou que, ainda sob o efeito da anestesia do parto, uma enfermeira entrou na sala cirúrgica e a ameaçou com o vazamento de informações sobre a situação. Ela deu à luz em um hospital em Santo André, na Grande São Paulo.
“Ela fez perguntas e ameaçou: ‘Imagina se tal colunista descobre essa história’. Eu estava dentro de um hospital, um lugar que era para supostamente para me acolher e proteger. Quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista, com todas as informações”, escreveu Klara nas redes sociais.
A entrega da criança à adoção pode ocorrer independentemente da gravidez ter sido fruto de um estupro.
Quando a mulher solicita sigilo total, a Justiça nem tenta estabelecer o vínculo da criança com a família extensa -avós, tios, primos. Na maioria dos outros casos, a ideia é que a Justiça tente promover o retorno à família biológica.
“A regra é que, somente se a mulher não fizer questão do sigilo, a Justiça busque à família extensa”, afirma Iberê de Castro Dias, juiz assessor da Corregedoria Geral da Justiça em assuntos da Infância e da Juventude.
No ato da entrega, a genitora pode explicar os seus motivos ou, então, mantê-los em segredo. Uma equipe de assistentes sociais e de psicólogos da Vara da Infância deve avaliar cada caso para se certificar que a decisão da mulher foi livre e consciente.
“É necessário o respaldo do atendimento psicossocial para afastar hipóteses da mulher estar com uma depressão e a depressão pós-parto, às vezes está sendo pressionada por questões financeiras”, afirma o juiz.
“A entrega à adoção é definitiva e, por isso, precisamos tentar entender a mulher. Se o problema é financeiro, o sistema judiciário busca por meio de auxílio social”, explica Dias.
Entre os motivos que levam a genitora a tomar tal decisão estão a violência sexual, gravidez inesperada e relacionamentos malsucedidos.
Ao todo, de agosto de 2018 até maio deste ano, 714 recém-nascidos foram entregues pela genitora, sendo 255 na capital paulista e 459 no interior do estado. Foram 191 casos em 2021; 195 em 2020 e, em 2019, 175.
A mãe biológica pode informar o desejo de entregar a criança durante a gestação e logo após o parto. Caso ela anuncie tal decisão durante a gravidez, deverá ratificá-la em uma audiência judicial depois do parto.
A comunicação pode ser feita diretamente à Justiça ou, então, para um profissional da saúde ou um representante do Ministério Público. Nesses dois últimos casos, a doação será comunicada à Vara da Infância.
“Nenhum desses profissionais podem expor esta situação, isto é crime de delito de violação de segredo profissional [em local privado] ou de violação de sigilo funcional [no caso de funcionários públicos]”, afirma Dias.
Nesta segunda-feira (27), o Ministério Público de São Paulo informou que está apurando a conduta de uma enfermeira que teria ameaçado Klara. A Promotoria de Justiça da Infância e de Santo André informou, ainda, que o processo de entrega da criança seguiu o trâmite previsto pelo ECA.
O Coren (Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo) também anunciou, no domingo (27), que vai apurar a denúncia envolvendo a profissional de enfermagem. Em última instância, a enfermeira pode perder o registro profissional.
Em nota, o Hospital Brasil, que pertence à Rede D´Or e no qual Klara deu à luz, diz que abriu uma sindicância interna para a apuração desse fato. Disse ainda que tem como princípio preservar a privacidade de seus pacientes bem como o sigilo das informações do prontuário médico.
COMO FUNCIONA A ENTREGA LEGAL À ADOÇÃO
Quando proceder?
A genitora pode expor o seu desejo de entregar a criança durante a gestação e ratificá-lo após o parto. Também pode expor a sua intenção somente depois do nascimento.
Comunicar para quem?
A entrega à adoção por ser comunicada aos profissionais da rede de saúde, conselhos tutelares e Ministério Público – essas instituições devem comunicar o fato à Justiça. Ou, a mulher pode procurar diretamente a Vara da Infância.
Quem receberá a criança?
A adoção seguirá a fila do Cadastro Nacional de Adoção. Geralmente, antes do parto, o pretendente já é comunicado, mas ele fica de sobreaviso caso a genitora desista de entregar o bebê.
A mãe biológica pode escolher com que a criança ficará?
Não. Como também não pode transferir a criança a terceiros sem autorização da Justiça.
O recém-nascido adotado carregará o nome da mãe?
Sim, é direito da criança ser registrado em nome da mãe biológica, mesmo nos casos de entrega legal
RECÉM-NASCIDOS ENTREGUES PARA ADOÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO
2022, de janeiro a maio
Capital – 29
Interior – 69
Total – 98
2021
Capital – 68
Interior – 123
Total – 191
2020
Capital – 86
Interior – 109
Total – 195
2019
Capital – 54
Interior – 121
Total – 175
2018, de agosto a dezembro
Capital – 18
Interior – 37
Total – 55Fonte: TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo)
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