Episódios de ofensas, agressões e racismo envolvendo estudantes surgiram em diversas escolas particulares pelo País na semana passada, logo após o resultado da eleição presidencial. A fratura na sociedade evidenciada nos últimos meses atinge também crianças e adolescentes, de todas as idades. E atinge o espaço que deveria ser o de aprendizagem da vivência em sociedade e de fortalecimento dos valores democráticos. Para especialistas, os educadores não só não podem ficar omissos como são fundamentais para a reconstrução desse Brasil dividido.
“Os conflitos na escola têm de ser pedagógicos, têm de servir para transformar a sociedade em um lugar melhor”, disse a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Telma Vinha, que pesquisa convivência na escola e formação ética. “A escola tem papel diferente da família, as regras e princípios valem para todos, a criança percebe que há pessoas diferentes. É nela que se aprende a viver em sociedade.”
Para Telma, faltam no Brasil políticas públicas voltadas para formar estudantes para a democracia, com assembleias, escuta, mediação, grupos de ajuda formados pelos próprios alunos, prevenção à violência e trabalho sobre a inserção nas redes sociais. Pesquisas internacionais mostram que países como Bélgica, Finlândia e França, que têm essas discussões nos currículos, formam jovens com valores fortes de equidade, tolerância e autonomia. “A escola particular, com medo de perder alunos, tornou-se apolítica e colocou essas questões para debaixo do tapete. Não dá para se preocupar só com Português e Matemática.”
Medo
Em uma escola de Indaiatuba, no interior de São Paulo, crianças de 11 anos gritaram na sala de aula, na segunda-feira após o segundo turno, que pais de colegas que haviam votado em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “morreriam a pauladas”. Um garoto já havia levado um soco durante o primeiro turno por discussão partidária. “Tenho muito medo de fazerem algo com meu filho”, disse a mãe dele, que pediu para não ser identificada. Ao procurar a escola, ela escutou que o agressor recebeu uma advertência e que “os professores tinham sido orientados a não falar de política”.
A advogada Alessandra Lacerda, que mora no Rio Grande do Norte, afirmou que a filha, de 8 anos, teve discussões na escola sobre preferência de candidatos. “Disse para não mais falar disso fora de casa, nem Lula nem Bolsonaro. A gente está vivendo um momento perigoso.”
Segundo especialistas, a punição em casos de agressão ou evitar o assunto não ajudam a mudar concepções das crianças nem a melhorar o cenário. “Sou contra a ideia de que política, futebol e religião não se discutem. Política se discute, sim, e desde cedo”, disse o diretor de Políticas e Direitos do Instituto Alana, organização que trabalha na defesa da infância, Pedro Hartung. Há abordagens e materiais para cada idade sobre esses assuntos. “Quanto mais diversidade e repertório, melhor será o desenvolvimento da criança.”
Alteridade
A psicanalista e doutora em Educação Ilana Katz destacou que as crianças “vivem no mesmo mundo que nós e não podem ser blindadas das nossas experiências”. Ela também vê a educação como peça fundamental nesse momento de ruptura. “A escola, como o lugar da experiência com o outro, precisa ser radicalmente contrária a movimentos abusivos, violentos, e fazer tudo para começar a reconstruir a experiência de alteridade.”
Na noite do resultado do segundo turno das eleições, alunos do Colégio Porto Seguro, em Valinhos, interior paulista, protagonizaram um episódio de racismo, denunciado pela mãe da vítima nas redes sociais e na polícia. Cerca de 30 adolescentes criaram um grupo chamado “Fundação antipetismo” e alguns passaram a proferir ofensas racistas ao colega negro, que havia declarado sua preferência por Lula.
“Já tinham ocorrido outros episódios de racismo, mas a eleição acabou despertando esse discurso de ódio”, disse a advogada Thais Cremasco, mãe de Antônio, de 15 anos, que sofreu as agressões. O Porto Seguro disse que repudia “toda e qualquer forma de discriminação e preconceito” e que “aplicou aos alunos envolvidos as sanções disciplinares”, inclusive “desligamento imediato”.
Em Curitiba, centenas de estudantes xingaram o presidente eleito em uma manifestação que rejeitava o resultado das urnas, no pátio do Colégio Marista Santa Maria. A escola informou que “repudia quaisquer atitudes ou comportamentos que incitem todos os tipos de violência, seja ela simbólica, verbal, psicológica ou física”.
Em uma escola particular da zona oeste São Paulo, por sua vez, pais reclamaram da situação oposta: os filhos foram constrangidos por não declarar apoio a Lula.
Mediação
Para a diretora do Instituto Península, Heloisa Morel, o País precisa se dedicar a formar os professores para serem mediadores desse diálogo. “A eleição acabou, agora a escola tem a oportunidade formativa de sair do campo da batalha, explicar conceitos, acolher as diversidades”, afirmou.
“A escola é espaço ideal para fazer isso sem paixões e, sim, com conhecimento”, disse Ilana. Para ela, a reconstrução da sociedade vai se dar junto com as crianças. “As crianças estão com a gente nesse fundo do poço. O mais importante é criar um movimento de abertura, que inclua a experiência com o outro, para que, juntos, possamos inventar soluções.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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