O aplicativo TrateCOV, lançado pelo Ministério da Saúde para orientar o enfrentamento da covid-19, recomenda uso de antibióticos e cloroquina, ivermectina e outros fármacos para náusea e diarreia ou para sintomas de uma ressaca, como fadiga e dor de cabeça. A lista de medicamentos sem eficácia comprovada é sugerida pela plataforma, que só pode ser usada por médicos, para qualquer soma de dois sintomas, mesmo se o paciente não saiu de casa ou teve contato com um infectado nas duas últimas semanas.
Como mostrou o Estadão, o aplicativo foi apresentado pelo ministro Eduardo Pazuello na semana passada, quando esteve em Manaus (AM). O Ministério da Saúde afirma que o TrateCOV sugere o diagnóstico por meio de sistema de pontos que obedece a “rigorosos critérios clínicos”. O teste com o produto é feito em Manaus, onde mais de 340 profissionais de saúde foram cadastrados no sistema. O ministério planeja expandir seu uso a outras cidades.
A indicação de uso de cloroquina e antibiótico pode ser feita até a um recém-nascido com diarreia e fadiga, pois a idade não interfere na pontuação apresentada pelo aplicativo. Se o médico não quiser receitar o “tratamento precoce”, precisa justificar dentro do aplicativo, por exemplo, pela “recusa do paciente”, “contraindicação médica” ou “falta do medicamento”.
O governo Bolsonaro se isolou na defesa do uso dos medicamentos, que compõem o “kit covid”. Além da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), também a Associação Médica Brasileira (AMB) passou a rejeitá-lo. “Evidências científicas demonstram que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção ou no ‘tratamento precoce’ para a covid-19 até o presente momento”, afirma nota conjunta das duas, divulgada anteontem.
Pressão
Na semana passada, Pazuello e sua equipe foram à capital do Amazonas. O ministro deixou a cidade na véspera do anúncio da falta de oxigênio. Sua passagem pelo Estado ficou marcada pela pressão sobre profissionais de saúde para que usem medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina. A Procuradoria da República no Estado abriu inquérito civil para apurar se o ministério foi omisso na ajuda à região.
Em Manaus, no dia 11, o ministro afirmou que o pilar da estratégia do ministério contra a pandemia é o “tratamento precoce”. “Diagnóstico não é do teste. Não aceitem isso. É do profissional médico. O tratamento, a prescrição, é do médico, e a orientação é precoce, disse Pazuello. “A medicação pode e deve começar antes dos exames complementares. Caso o exame lá na frente der negativo, reduz a medicação e tá ótimo. Não vai matar ninguém”, completou.
Pressionado, Pazuello modulou o discurso e disse, na segunda-feira, 18, que jamais incentivou o uso de medicamento algum e apenas defendeu o “atendimento precoce”. No discurso público do governo federal, porém, a defesa do atendimento ou tratamento precoce se mistura com a pressão pelo uso da cloroquina. Há farto registro de alegações de Pazuello e de Bolsonaro de que o “kit covid” dá certo, o que contraria a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em outubro passado, Pazuello disse ter ficado “zero bala” após tomar o tal “kit completo”. Dias depois, o general foi internado num dos hospitais mais caros de Brasília por complicações da covid-19.
Ainda em Manaus, na última semana, a equipe de Pazuello fez visitas a unidades de atendimento do SUS. Além de escutar sobre a crise na cidade, a equipe entregou folders recomendando uso do “kit covid”.
Opções
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que o TrateCOV orienta opções terapêuticas e oferece autonomia para o médico decidir. “A pasta também esclarece que a lista de medicamentos sugeridos na plataforma pode sofrer alterações de acordo com os estudos científicos em andamento”, argumenta o ministério.
E acrescenta: “TrateCOV é uma ferramenta criada para auxiliar médicos na coleta de sintomas e sinais de pacientes. A plataforma utiliza um protocolo clínico para fazer um diagnóstico rápido por meio de um sistema de pontos, obedecendo rígidos protocolos clínicos. O objetivo é dar maior segurança e rapidez no diagnóstico clínico e no tratamento da covid-19.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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