BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em operação desde novembro de 2020, o Pix já tem números robustos: 120 milhões de usuários cadastrados e recorde de 54,5 milhões de transações em um dia. Apesar de seu poder inclusivo, joga luz sobre as desigualdades econômicas regionais do Brasil.
Das mais de 110 milhões de pessoas físicas cadastradas, quase 26 milhões se encontram no Nordeste. No mês de janeiro deste ano, a região foi responsável por transações entre diferentes instituições financeiras que movimentaram cerca de R$ 44,2 bilhões.
No Sul, onde vivem 15,7 milhões dos usuários, o valor total das operações foi maior, R$ 47,7 bilhões.
O Sul concentrou 17,26% do volume financeiro, contra cerca de 16% no Nordeste, mesmo tendo quase metade do número de transações realizadas. Nos meses anteriores, o cenário não foi diferente. Esse exemplo espelha a contrastante realidade brasileira.
Segundo dados do Sistema de Contas Regionais – Brasil 2019, o último divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Nordeste representa 14,2% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto o Sul chega a 17,2%. Já a região Norte compõe uma parcela de 5,7%, o Centro-Oeste soma 9,9%, além dos 53% do Sudeste.
Para além do PIB brasileiro, Luciano Nakabashi, professor da FEA-RP/USP e pesquisador do Centro de Pesquisa em Economia Regional (Ceper), também observa as disparidades regionais em indicadores que medem o nível de bem-estar das pessoas.
“Temos uma distinção muito clara em vários indicadores de desenvolvimento econômico quando comparamos os municípios de Norte e Nordeste e das outras três regiões brasileiras. Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm municípios com renda mais alta, com melhor distribuição de renda, mais escolaridade e melhores indicadores de saúde”, afirma.
De acordo com a PNAD Contínua 2020 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), divulgada pelo IBGE em novembro do ano passado, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita no Brasil em 2020 foi de R$ 1.349.
O estudo apontou que as regiões Norte e Nordeste apresentavam os menores valores -R$ 896 e R$ 891, respectivamente-, e concentravam as maiores proporções de domicílios com beneficiários de programas sociais.
“Hoje, o Pix não resolve a questão das desigualdades e disparidades sociais e regionais que nós temos, mas é mais uma ferramenta que ajuda e traz inclusão”, afirma Rodrigoh Henriques, líder de inovações financeiras da Fenasbac (Federação Nacional das Associações de Servidores do Banco Central).
Segundo relatório de cidadania financeira, publicado pelo Banco Central em março do ano passado, 34,9% da população adulta do CadÚnico e 25,3% dos beneficiários do Bolsa Família tinham ao menos uma chave Pix cadastrada. A adesão ao sistema também se deu entre quem recebeu o auxílio emergencial.
Em pouco mais de um ano, a ferramenta também ajudou a popularizar operações de transferências de crédito, que antes eram restritas ao consumidor de maior renda, casos de TED e DOC, devido à cobrança de tarifas.
No segundo trimestre de 2021, o Pix foi o terceiro meio de pagamento mais usado do país, respondendo a 12,93% da quantidade de transações, seguido de boleto (15,09%), cartão de crédito (19,58%) e cartão de débito (21,44%).
Mas o dinheiro ainda é a forma de pagamento preferida dos brasileiros para compras, mesmo entre aqueles que veem o Pix como uma ferramenta eficiente para receber valores, mostrou pesquisa do Instituto Locomotiva divulgada no início deste mês.
“No Nordeste, onde há uma dinâmica muito forte de comércio de autônomos ligados ao turismo, o tíquete médio gerado por uma pessoa que faz passeio de barco ou vende um picolé é um pouco menor. Isso acaba também influenciando na média dos valores regionais”, afirma Carlos Eduardo Brandt, chefe-adjunto do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do BC.
Apesar do sucesso, renda insuficiente e baixa instrução são obstáculos para o Pix se tornar ainda mais efetivo para todas as camadas da população brasileira. Um levantamento feito pelo Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) para a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) em novembro, apontou que o Pix já é usado por sete em cada dez brasileiros, mas a taxa de adesão ao sistema é de 64% entre pessoas com renda de até dois salários mínimos (o correspondente a R$ 2.424 em 2022).
Esse percentual cai para 53% entre os entrevistados que têm até o nível fundamental.
“Ao mesmo tempo em que esse mundo das finanças digitais se revela muito promissor para a democratização dos serviços financeiros, por conta da exclusão digital, ele pode acabar aumentando a desigualdade”, diz Lauro Gonzalez, coordenador do Cemif (Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira), da FGV Eaesp.
Celular antigo e falta de internet móvel são obstáculos para o Pix A exclusão digital passa por questões de infraestrutura, problemas de conectividade, pacotes de dados móveis com altos preços e aparelhos celulares obsoletos, além da dificuldade de manuseio. O relatório do BC constata que, apesar do crescente uso dos smartphones para acesso à internet, a utilização de celulares para a realização de pagamentos recua conforme a renda cai.
Diferenças geográficas também estão refletidas no acesso digital do brasileiro. O Nordeste é a região com a proporção mais baixa de domicílios com acesso à internet em 2019, segundo a PNAD Contínua. Na zona rural da região Norte, apenas 38,4% das casas possuíam conectividade, por exemplo.
No Brasil, quase metade dos internautas das classes C, D e E já deixaram de fazer alguma transação financeira por falta de internet móvel, segundo pesquisa encomendada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) ao Instituto Locomotiva, realizada entre julho e agosto de 2021.
Gonzalez, do Cemif, lembra também que informações sobre vazamento de dados e outras questões relacionadas à segurança digital podem abalar a confiança de usuários com baixa instrução e renda.
Segundo Brandt, o Banco Central adota uma série de esforços na questão de cidadania financeira, que engloba inclusão no sentido amplo (acesso, uso e qualidade), bem como educação, proteção e participação.
“As pessoas precisam ter maturidade para transacionar no digital e estar preparadas para não cair em golpes e phishing [técnica de crime cibernético que usa fraude para manipular pessoas e obter informações confidenciais]. A gente tem um mecanismo de devolução de valores, em caso de golpes ou fraudes, para mitigar esse processo”, afirma.
O chefe-adjunto do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do BC destaca ainda que a simplicidade operacional do Pix tende a incluir pessoas com pouca familiaridade ao digital.
“Queremos que o Pix seja um meio de pagamento capaz de atender o máximo possível os casos de uso e as diversas especificidades nas suas mais variadas dimensões”, diz.
Banco Central promete Pix automático e Pix offline
Depois do lançamento do Pix Saque e do Pix Troco, o BC promete a entrega do Pix Automático neste ano, visando “democratizar” a dinâmica do débito automático.
Outro produto em discussão, ainda sem data de lançamento, é o Pix Offline (nome provisório), para oferecer a possibilidade de pagamento mesmo sem conexão à internet.
A expectativa é que toda a gama de inovações traga novas perspectivas à população. Na opinião dos brasileiros, ouvidos pela pesquisa Carat Insights, encomendada pela Fiserv para o Instituto Locomotiva, o Pix se tornará o meio de pagamento mais popular no país em um intervalo de dez anos.
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