SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um consumo consciente -preocupado com a sustentabilidade e com a ajuda aos pequenos comércios- que se mescla a gastos voltados para novas experiências, estudos e lazer em um orçamento enxuto.
O perfil de gastos e a construção de patrimônio da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) já reflete uma mudança radical de prioridades ao longo dos anos. Segundo especialistas, mesmo entre aqueles que já começam a sair debaixo das asas dos pais para ter renda própria, a expectativa é que a casa e o carro próprios fiquem para depois.
“Começamos a falar cada vez mais da economia compartilhada. Essa é uma geração que não vai querer possuir, mas vai querer usar. É o caso de usar aplicativos de transporte, por exemplo, o aluguel de bicicletas e até o Airbnb”, afirmou Alexandre Mutran, diretor de marketing da Aon e professor da ESPM.
É o caso de Lucas dos Santos Formigoni, 21, estudante de economia. “Eu gostaria muito de ter uma casa própria, mas é um plano de longo prazo. Mesmo que eu comece a trabalhar, me estabeleça e tenha uma renda permanente, acredito que só vou começar a planejar isso daqui 10 ou 15 anos. O que já não acontece em relação a transporte, por exemplo. Não tenho nenhum interesse em ter carro próprio”, disse.
Formigoni, que nunca trabalhou, mudou recentemente para um apartamento no centro de São Paulo. Parte das despesas fixas do imóvel -como aluguel, condomínio, água, luz e internet- serão pagas com uma reserva financeira feita por ele ao longo dos anos, com o dinheiro vindo de mesadas e presentes da família. Para os outros gastos, ele deve contar com a ajuda dos pais.
Do total de recursos que tem, o estudante acredita que cerca de 60% ficará reservado para os gastos fixos da nova casa, enquanto o restante será dividido entre alimentação e lazer.
“Não sou muito consumista, mas gosto de ter um dinheiro guardado para o meu entretenimento, como uma cerveja para beber em casa ou livros, que é uma das coisas com as quais eu mais acabo gastando. Também quero montar uma reserva para fazer um intercâmbio daqui uns quatro anos”, afirmou.
O direcionamento de recursos é diferente do que o observado em gerações anteriores.
“Talvez o meu perfil da juventude seja um pouco diferente porque eu fui pai muito novo. Eu casei com 18 anos e tive que assumir minhas responsabilidades muito cedo, pagar a escola do meu filho e sustentar a casa junto à minha esposa. Com 27 anos eu já consegui dar entrada na minha casa, e com 40 [anos], quitei o imóvel”, afirmou Fernando César Ribeiro Bergamo, 49. Ele é da geração X (nascidos entre meados de 1960 e 1979).
Atualmente, a única renda de Bergamo vem do Empório Casa e Decoração, loja da qual é dono e que possui duas unidades em São Paulo. Uma parcela do dinheiro vai para sustentar as despesas fixas da casa onde mora com a esposa e um dos filhos.
“Agora a minha situação está confortável. Não preciso mais me preocupar em pagar a prestação da casa, do carro ou a faculdade dos meus filhos. Meu custo de vida é muito baixo e o que sobra nós guardamos -metade fazemos uma poupança e a outra metade gastamos para viajar ou comer em restaurantes”, disse o empresário.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, porém, a mudança nos padrões de consumo também é relativa e, além do momento de vida, também podem envolver questões como a criação e a classe social.
“Existe uma disparidade de realidades que também precisa ser considerada”, afirmou Mutran, da Aon.
“Enquanto o jovem da classe média aluga uma bicicleta para lazer, o jovem da periferia talvez precise fazê-lo para ir trabalhar como entregador de aplicativos, por exemplo. E isso se estende para a construção de patrimônio. Enquanto alguém que tenha condições de pagar Uber possa não almejar um carro próprio, ter uma moto pode ser aspiracional para o jovem de periferia. É algo para que ele possa ir ao trabalho, mas que também use para sair com os amigos”, completou o executivo.
Outra tendência que reforça a diferença entre perfis é a maior preocupação com o consumo consciente.
É o caso de Fernanda Rocha Zogheib, 19, professora particular e vestibulanda. Ela afirma que usa metade de sua renda para ajudar nas casas dos pais, onde mora. A outra metade, vai para um investimento em renda fixa e para consumo próprio.
“Este último ano de pandemia foi o que eu menos gastei. Eu sempre fui de ir no mercado e cozinhar ao invés de pedir comida, o que não mudou. De resto, compro livros e roupas, mas sempre prefiro comprar de brechó e não de lojas grandes de departamento. Assim, pelo menos, ajudo os empresários com negócios menores”, disse.
Para o planejador financeiro Carlos Castro, da Planejar, outro aspecto relevante para traçar as diferenças do perfil de consumo e de gastos entre as gerações é a adoção da tecnologia.
“Os millennials [nascidos entre 1980 e 1994] são a geração de transição da tecnologia, tendo passado parte da sua infância já se adequando a essa realidade. Da outra ponta, temos os dois extremos: enquanto aqueles da geração X demoraram alguns anos para conseguirem se adequar ao mundo tecnológico, a geração Z é completamente nativa digital. E isso também se traduz em hábitos de consumo, por exemplo”, disse.
Mônica Nepomuceno Baeta, 56, concorda que a maior parte das diferenças pode ser explicada pela tecnologia. “Aos 20 anos, como eu não tinha a responsabilidade de uma casa, meu dinheiro era todo para passeios e viagens. Mas diferente da geração de hoje, eu não tinha Uber. Se eu não quisesse usar o metrô ou o ônibus, eu tinha que me esforçar para ter o meu carro. O acesso à informação aumentou muito e isso muda muito a consciência das novas gerações”, afirmou.
Atualmente, Baeta é aposentada, mas atua junto ao marido como representante oficial de grandes empresas do segmento de refeição e convênio. Além dos gastos fixos da casa, a renda que tiram também é dividida entre os dependentes: um filho de 15 anos e suas respectivas mães.
A tendência de um perfil de consumo cada vez mais voltado para o mundo digital, porém, tem evoluído para todas as idades. Um estudo recente feito pela CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas) e pelo SPC Brasil apontou que nove em cada dez pessoas realizaram uma compra online nos últimos 12 meses.
“Esse movimento mais voltado para o digital já era uma tendência, mas foi acelerado pela pandemia”, afirmou a especialista em finanças da CNDL, Merula Borges.
“E é uma tendência que deve se manter para todas as idades. As pessoas devem se sentir cada vez mais confiantes, principalmente diante de novas tecnologias de pagamento, como o Pix.”
A pesquisa ouviu 958 pessoas, todas maiores de idade e de todas as classes econômicas. Do total de entrevistados, 55% também afirmaram que pediram comida por aplicativos de delivery, 45% compraram artigos de vestuário, 37% adquiriram com celulares e 36% gastaram com streaming de filmes e séries.
Do lado dos millennials, a característica de ser uma geração de transição, também transparece nos gastos.
Marina Bravo Spessoto, 29, afirma que, aos 20, também dependia completamente dos pais. “Eu não trabalhava e tinha um cartão de crédito controlado, para alimentação e o que mais eu precisasse gastar”, afirma.
Ela atualmente mora em Atibaia com o filho de quatro anos, Bernardo, e trabalha como assistente de uma empresa de tecnologia. Segundo Spessoto, cerca de 60% do que recebe vai para gastos fixos da casa e 30% vai para Bernardo.
“O resto, uns 10%, eu consigo guardar. Esse dinheiro eu deixo na poupança e ele serve principalmente para pagar os gastos de início do ano, como os materiais da creche do meu filho, matrícula e todos os pagamentos para o meu carro”, disse.
Situação semelhante acontece com Leonardo Felix dos Santos, 33. Ele, que trabalha com gestão de benefícios, também divide a renda principalmente entre os gastos fixos da casa e com educação (sua e da sua filha de sete anos).
“Cerca de 30% do que recebo hoje vai para a casa e outros 40% vão para as escolas. Tem uns 20% que separo para gastos mais de passeio e compras de final de semana com a minha família, mas esses eventos, a maioria das vezes quem paga é minha esposa”, afirmou.
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