REINALDO JOSÉ LOPES
SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) – Pegadas descobertas nas margens de um vetusto lago queniano indicam que duas espécies muito diferentes de humanos primitivos ocupavam exatamente o mesmo envolvente há tapume de 1,5 milhão de anos.
Ambas eram bípedes, mas havia diferenças significativas na maneira uma vez que caminhavam. Uma das espécies tinha um marchar praticamente indistinguível do nosso, enquanto a outra tinha pés que ainda lembravam um pouco os dos demais grandes símios.
Descritos em trabalho publicado nesta quinta-feira (28) no periódico especializado Science, um dos mais importantes do mundo, os achados têm potencial para esclarecer diversas dúvidas sobre o comportamento e a ecologia dos hominínios (grupo que surgiu há 7 milhões de anos e inclui as espécies de primatas mais próximas de nós que dos chimpanzés).
Embora já estivesse evidente há muito que diversas espécies de hominínios existiram ao mesmo tempo em vários momentos do pretérito, ainda havia dúvidas sobre o proporção de “vizinhança” entre elas no mesmo ecossistema. Outrossim, a fragmentação e a relativa raridade dos fósseis das pernas e dos pés costumam atrapalhar a reconstrução dos movimentos desses proto-humanos.
As pegadas fossilizadas têm a virtude de suprir essas duas lacunas desde que seja verosímil provar que duas ou mais espécies as produziram na mesma era. Isso resolve a incerteza sobre a verosímil simultaneidade, enquanto a boa preservação das marcas dos pés traz uma série de informações sobre a biomecânica da marcha.
A equipe do novo estudo, liderada por Kevin Hatala, da Universidade Chatham (Estados Unidos) e do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionista (Alemanha), afirma ter resolvido a primeira incerteza documentando detalhadamente a escavação das pegadas em Koobi Fora, na margem oriental do lago Turkana, no Quênia. A espaço já é muito conhecida pelo abundoso registro fóssil (ossos) e arqueológico (ferramentas de pedra) dos hominínios.
A estudo das pegadas de Koobi Fora indica que quatro hominínios diferentes andaram por ali (muito uma vez que várias aves pernaltas de grande porte, semelhantes a cegonhas).
Eles estavam pisando um substrato tenro que provavelmente correspondia à secção mais rasa de um lago, coberta com uma fina lâmina de chuva, ou a uma margem muito úmida. Uma das pistas disso é que os pés, ao tocar o soalho, afundavam entre 4 cm e 8 cm. Outrossim, as pegadas parecem ter sido rapidamente cobertas com camadas finas de areia e lodo, o que facilitou sua preservação.
Três dos indivíduos tinham passadas praticamente indistinguíveis das de uma pessoa de hoje. Já o quarto, que corresponde ao maior número de marcas na areia molhada, revela um pé consideravelmente mais “macio” do que o do Homo sapiens. E, o que é mais curioso, a chamada abdução do hálux -ou seja, o posicionamento do dedão do pé virado para fora. É verosímil quantificar isso: enquanto a abdução do hálux em pessoas atuais vai de 1,4 proporção a 10,6 graus, a das pegadas fica entre 15 graus e 20 graus.
Isso é um naco interessante, porque uma das características dos grandes símios não humanos é o “dedão do pé opositor”. Ele se afasta dos demais dedos porque é útil para subir em árvores. “É verosímil que essa propriedade esteja relacionada à capacidade de escalar de alguma maneira”, declarou Hatala à Folha de S.Paulo.
Ele e seus colegas propõem que o responsável das estranhas pegadas poderia ser um membro do gênero Paranthropus, homem-macaco com possante odontíase, semelhante à dos gorilas, que sabidamente habitava a região nessa era. “Alguns pedaços do esqueleto dos membros superiores deles sugerem alguns comportamentos de escalada. Mas, dito isso, as pegadas ainda parecem mostrar que essa espécie tinha desenvoltura para caminhar no solo de forma bípede.”
Já as pegadas “100% humanas” podem ser atribuídas ao Homo erectus, potente candidato a ancião direto remoto da humanidade moderna. Será que, ao ver os dois hominínios andando lado a lado, um viajante do tempo conseguiria perceber alguma diferença significativa na locomoção entre eles? “É muito difícil manifestar. Não seria dramaticamente dissemelhante, mas talvez houvesse diferenças suficientes para que alguém percebesse um pouco ‘fora de prumo’ no marchar” do Paranthropus, diz o pesquisador.
Uma vez que ambos os gêneros de hominínios já existiam tapume de 1 milhão de anos antes da era das pegadas, a equipe propõe que havia relativamente pouca competição entre elas, talvez porque adotavam dietas diferentes, conforme sugere a bocarra de comedor de vegetais do Paranthropus. Ao menos nessa era, talvez a luta não fosse uma jacente para os hominínios.
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