SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores brasileiros escreveram cartas alertando a comunidade internacional dos retrocessos que a ciência enfrenta no Brasil. Os textos foram publicados nesta quinta-feira (18) na prestigiosa revista científica Science.
Uma das cartas é intitulada “Scientific denialism threatens Brazil” (negacionismo científico ameaça o Brasil). Segundo Luisa Diele-Viegas, pesquisadora de biologia na Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e uma das autoras, a ideia surgiu quando ela submeteu um projeto que relacionava mudanças climáticas e biodiversidade do Nordeste brasileiro para um edital de financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Logo depois, ela viu a notícia do contingenciamento de R$ 600 milhões que o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) sofreu em outubro deste ano.
PROTESTO DE ESTUDANTES NO MINISTÉRIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA
“Quando eu vi esse corte, me veio uma vontade de falar sobre isso”, afirma. Até agora, não é possível prever se o financiamento do projeto realmente existirá, ela destaca.
Na carta -assinada também por Juliana Hipólito, professora do Instituto de Biologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia), e por Lucas Ferrante, doutorando do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia)-, os autores afirmam que a crise orçamentária do MCTI afeta jovens pesquisadores que precisam de financiamento para suas pesquisas, mas também interfere em pesquisadores com carreira consolidada, porque eles precisam lidar com estudantes mais desmotivados.
“Eu tenho alunos de graduação, mestrandos e doutorandos que estão completamente desacreditados, no sentido de não terem perspectivas de se manter na academia”, afirma Diele-Viegas.
Para Diele-Viegas, Hipólito e Ferrante, uma explicação para o descaso à ciência se dá porque “o Brasil vem enfrentando uma onda de negacionismo científico que afeta negativamente políticas públicas em áreas como educação, preservação ambiental e saúde pública”.
Esse negacionismo é propagado pelo presidente Bolsonaro, destacam os três cientistas no texto. O problema afeta discussões sobre a crise climática, ignorando dados científicos acerca do aumento de queimadas no Brasil, por exemplo, e também aparece na defesa do chamado tratamento precoce contra a Covid-19, que não se baseia em evidências científicas.
“O que nós quisemos abordar nessa carta é que o corte [no orçamento para a ciência brasileira] é uma das consequências desse negacionismo científico que se instaura no Brasil”, resume Diele-Vagas.
Os autores se mostram especialmente preocupados por conta do papel essencial que o Brasil tem na preservação ambiental. “Dado o negacionismo científico embutido [nas instituições do país], o Brasil pode não ser capaz de proteger seus vastos recursos [de biodiversidade]”, afirmam.
O combate ao negacionismo é elencado como essencial para superar a crise na ciência do país. Um dos passos, afirmam os três pesquisadores, é reverter os cortes orçamentários aplicados no MCTI, de forma que haja investimento disponível para pesquisas nacionais.
“Valorizar a ciência é importante porque ela vai para diversas áreas. Ela é a base da sociedade atual e está ligada ao desenvolvimento tecnólogico, social e sustentável, que é o caminho necessário para lidarmos com as grandes crises que a humanidade enfrenta e continuará enfrentando daqui para a frente”, diz Diele-Viegas.
A segunda carta, “Surviving as a young scientist in Brazil” (sobrevivendo como um jovem cientista no Brasil), é assinada por 15 pesquisadores brasileiros.
Nela, o grupo aborda os problemas que a tesourada no MCTI gera para as bolsas de pós-graduação. “No Brasil, a maioria dos programas de pós-graduação requerem dedicação integral como uma condição de emprego”, afirmam esses autores.
Segundo eles, desde 2013 as bolsas federais para mestrado, de R$ 1.500, e de doutorado, no valor de R$ 2.200, não tiveram reajuste. Com o aumento dos preços de produtos e serviços que o país vem passando nos últimos anos, o poder de compras desses financiamentos caiu em aproximadamente 60%, afirmam os autores.
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