(FOLHAPRESS) – Assim como a maioria da população da Guiné Equatorial, país com média de idade de 20 anos, Delfin Mocache Massoko conheceu um só líder no poder: Teodoro Obiang, o ditador mais duradouro do mundo.
A família do jornalista viu de perto a história do pequeno país da costa oeste da África. O avô, de quem ele recebeu o sobrenome Mocache, foi assassinado em praça pública durante o regime de Francisco Macías, tio de Obiang que viria a ser derrubado em um golpe pelo próprio sobrinho em 1979.
“Para evitar que fôssemos perseguidos, minha avó tirou o sobrenome Mocache dos filhos”, conta. Coube a ele, então, resgatá-lo, como forma de reverência a uma parte da família com a qual se identifica.
Mas Mocache, 39, foi obrigado a seguir do exílio os passos do avô. Desde 2004, vive como refugiado em Valência, na Espanha, onde cursou direito. Fundador do site Diário Rombe, investigou e denunciou casos de corrupção no setor do petróleo, o motor da economia local. E as ameaças não tardaram a chegar.
As apurações têm como personagens principais os filhos de Obiang: Teodorín, número dois do regime e cotado para substituir o pai na chefia da ditadura, e Gabriel Mbaga Obiang, ministro de Minas.
Mocache diz que conseguiu estruturar uma rede de fontes dentro do governo após descobrir, numa de suas últimas viagens à terra natal, na primeira metade da década de 2010, que parte dos amigos que estavam em movimentos clandestinos de dissidência ao seu lado integra agora os tentáculos do poder.
Algo inevitável, diz ele. “Organizações de jovens ligadas ao regime os ensinam a denunciar qualquer parente que se oponha a Obiang. O guineano não confia em ninguém. Estamos em uma ditadura na qual matar é normal. Qualquer protesto é imediatamente silenciado.”
Os resultados das investigações fizeram de Mocache fonte principal do julgamento que condenou Teodorín por peculato na França em 2020, processo que rendeu ao vice equato-guineense sentença de três anos de prisão e pagamento de multa de € 30 milhões (cerca de R$ 164 milhões).
O filho de Obiang processou Mocache por calúnia e pediu indenização de € 200 mil, mas perdeu a ação. “Agora, a principal forma de perseguir jornalistas é por meio de processos”, diz ele. Mas não só. Mocache relata ter recebido ameaças de policiais da Espanha que, para ele, receberiam dinheiro de Malabo.
Mocache é um dos únicos repórteres independentes de seu país. Se o jornalismo enfrenta dilemas em todo o mundo, na Guiné Equatorial o desafio é apontar um veículo, de fato, livre. “Os meios de comunicação são amordaçados, e a censura prévia é a regra”, diz a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
No ranking anual da RSF sobre liberdade de imprensa, o país africano aparece na 141ª posição entre 180 países -o Brasil é o 110º. A principal fonte de informações, a televisão pública, foi cooptada pelo regime. Já o único canal privado, a emissora Asonga, pertence a Teodorín.
Mocache veio ao Brasil para o Festival Piauí de Jornalismo, em São Paulo, no domingo (30), e falou no painel “O Jornalista e o Ditador”. Sua presença só foi divulgada minutos antes do debate, por segurança.
Ele relata não se sentir seguro nem sequer na Espanha. “Jornalistas da Guiné Equatorial não estão seguros em nenhum lugar; Obiang lidera um regime terrorista que detém pessoas em qualquer país.”
Essa é sua primeira vez no Brasil -sair da Europa não é fácil, seja por dinheiro ou segurança. Não tardou para que o nome do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), surgisse na conversa com a Folha, por iniciativa de Mocache: “Lula potencializou Obiang”.
Ele se refere, entre outras coisas, ao fato de o petista ter visitado a Guiné Equatorial no último ano de seu segundo mandato e posado em fotos ao lado do ditador. “As principais empresas de construção do Brasil na Guiné financiaram diretamente o regime”, afirma. “Lula fala tanto de direitos humanos, de recuperar a democracia no Brasil. Uma democracia é melhor que outra?”
A conivência com o regime não é exclusividade de Brasília, claro. Mocache relata conversas com figuras da União Europeia na capital Malabo, nas quais questionou o silêncio em relação a Obiang. Escutou que o bloco não se intrometeria em questões domésticas. “A África ainda vive um neocolonialismo em que governos ocidentais sustentam ditadores sabendo que eles violam direitos humanos.”
Apontar um caminho para o fim da ditadura é difícil. Experiências na vizinhança onde movimentos de massa forçaram a queda do líder não o animam. “Sempre são posteriormente politizados e apoiados por um governo ocidental interessado na manutenção de seus interesses.”
Ele vê uma brecha no momento em que Obiang, hoje com 80 anos, morrer. “Criou-se muita raiva, inimizade e disputas na família no poder; podemos ter um Estado anárquico após a morte dele”, o que abriria uma fresta de oportunidade para mudanças, diz ele. Em novembro, no entanto, Obiang consolidou mais sete anos no poder em eleições de fachada, nas quais teria conquistado 95% dos votos, segundo o regime.
A Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que a Guiné Equatorial integra -só 1% da população local fala português, porém-, parabenizou o governo pela “forma cívica” com que o pleito foi conduzido.
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