IGOR GIELOW
FOLHAPRESS – Projeto pessoal que assombra Robert Eggers desde seus nove anos, “Nosferatu” é ao mesmo tempo o filme mais conseguível e de maior desejo temática do diretor americano. Arriscando conferência com as aclamadas versões anteriores da mesma e surrada história, ele entrega uma obra-prima em seu quarto trabalho.
Se o original de 1922 deu à luz jogos de sombras que influenciaram toda a história do cinema, e a refilmagem de 1979 inseriu melancolia e perversão com lirismo, Eggers tratou de recriar o vampiro porquê uma teoria, um tirocínio sobre a malvadeza.
Tinha tudo para dar falso, mas o filme é um triunfo artístico, emergindo de suas trevas para um lugar no tríptico inaugurado pelos gênios alemães F.W. Murnau e Werner Herzog.
O enredo é permeado pelo questionamento feito pela mocinha, Ellen Hutter, vivida pela adequada Lily-Rose Depp, e pelo professor caçador de vampiros interpretado por um contido Willem Dafoe: o mal é um pouco exógeno ou originário da própria vítima?
A resposta se insinua desde a magistral sequência inicial, que Eggers filma porquê a obra muda original, apostando no expressionismo das caretas de Ellen. Isso se repete em suas convulsões, na angústia do marido, Thomas, o ótimo Nicholas Hoult, e no histrionismo do dirigente dele, Knock, vivido por Simon McBurney.
O filme de 1922 rebatizou o conde Drácula porquê Orlock para evitar encrencas relacionados a direitos autorais -sem sucesso, já que um processo por plágio da viúva de Stoker quase condenou todas as cópias do longa à devastação.
Na quadra, o ator germânico Max Schreck rompeu com o visual sedutor do livro original, adotado também nos filmes posteriores. Seu vampiro era um espectro assustadiço com incisivos de rato e calvo alvíssima.
A figura foi tão icônica que até um bom filme, “A Sombra do Vampiro”, de 2000, que recria as filmagens do “Nosferatu” de 1922, brinca com a teoria de que Schreck era mesmo um monstro -no longa, o conde é vivido por Dafoe. Klaus Kinski, o Nosferatu angustiado de 1979, respeitosamente emulou Schreck no quesito visual.
Já o novo conde Orlock é um feito à segmento. Bill Skarsgard traz um vampiro inédito visualmente, que remete tanto à inspiração histórica de Stoker para o Drácula, um príncipe da Valáquia do século 15, quanto ao morto-vivo que é. Outra geração diabólica do ator, o palhaço Pennywise de “It – A Coisa”, parece quase simpático.
Nunca um Drácula ou congênere foi exposto, com recta a nu frontal, porquê um sucumbido em putrefação. De quebra, se não é a primeira vez que o conde usa bigode, ele nunca foi tão significativo.
Mas é na voz de Skarsgard que reside sua força. Ela ecoa na sala de cinema porquê se fosse de um Deus do Velho Testamento, onipresente e cominador -uma teoria. A pestilência dos ratos do conde, que viajam com ele em um navio rumo à Alemanha de 1838, parece misturar-se a seu hálito.
Se tudo isso sugere um “body horror”, é unicamente segmento da história. Eggers cria um belo mundo onírico, com uma gama de sutilezas que já se via nas suas mais herméticas obras anteriores, principalmente em “A Feitiçeira”, de 2015, sua estreia porquê diretor.
Os maneirismos estão lá para irritar os irritáveis, porquê no trabalho de línguas originais. Em nome da bilheteria, todavia, ninguém fala germânico nessa Alemanha. A exemplo do que aconteceu com outras línguas mortas no último filme de Eggers, “O Varão do Setentrião” (2022), o dácio de Nosferatu acaba por dar lugar a um inglês ridículo.
Mais feliz é o “Easter egg” para os fãs da história de terror. A natureza satânica do vampiro é revelada por Dafoe, das quais professor cá se labareda Albin Von Franz. Ele invoca anjos e demônios de manuais ocultistas e diz que o monstro é um “solomonar”, aluno do Diabo em uma escola citada no livro de Stoker.
Até o nome do personagem é uma sacada: Albin, porquê Albin Intensidade, o produtor do “Nosferatu” de 1922 que deixou rastros de sua preocupação ocultista no filme.
Se tudo isso parece coisa de nerd, e é, o diretor satisfaz tanto esse testemunha porquê os outros, transformando o cipoal esotérico em um mero tecido de fundo. Já os delírios de Eggers, expostos em “O Farol”, de 2019, aparecem diluídos.
Isso dito, é um filme que vai frustrar quem está detrás de sustos fáceis, apesar de encharcado em sangue e vísceras. “Nosferatu” é lento e inclui alguns “subplots” desnecessários e personagens menores, porquê o parelha companheiro da família de Ellen Hutter, a mocinha.
Por outro lado, a inocência que Hoult já vendia em “Renfield”, lastimoso spin-off recente de “Drácula”, é instrumental. Algumas cenas remetem, ainda, ao “Drácula” feito em 1992 por Francis Ford Coppola, uma grata surpresa, e o uso da sombra viva do vampiro ganha um projecto interessante.
Há acenos aos novos tempos. O vampiro traz uma peste que se torna um pandemônio pandêmico, e a brutalidade patriarcal do século 19 é exposta no círculo de Ellen, esmagada até literalmente por um medonho espartilho. Eggers, todavia, foge da embuste de inserir elementos modernos incompatíveis com 1838.
Mas a chave do filme é a relação entre Ellen e Nosferatu, por mais evidentes que sejam as metáforas sobre a posição da mulher na sociedade. Tudo se funde num balé doentio, e é tentador pensar porquê seria se a atriz fosse a mais capaz Anya Taylor-Joy, para quem o papel foi escrito, mas Depp se vira muito.
De quebra, se o ator Klaus Kinski trouxe o binômio lascívia e repugnância ao vampiro no filme dirigido por Werner Herzog em 1979, Skarsgard leva o noção a outro nível. Nosferatu se alimenta de forma violenta, reafirmando dada profundidade que sua preocupação zero tem a ver com o paixão do monstro de Coppola: ele tem um terrível gosto.
NOSFERATU
– Avaliação Ótimo
– Quando Estreia qui. (2) nos cinemas
– Elenco Bill Skarsgad, Lily-Rose Depp, Nicholas Hoult, Willem Dafoe
– Produção Estados Unidos, 2024
– Direção Robert Eggers