No AM, cresce proporção de mortos por covid sem fator de risco associado

Com o colapso no sistema de saúde do Amazonas e a circulação de uma nova variante do coronavírus potencialmente mais transmissível na região, o porcentual de mortos por covid-19 que não tinham nenhum fator de risco dobrou no Estado em janeiro e já representa 20% de todas as vítimas da doença no mês.

Os números foram tabulados pelo Estadão a partir da base de dados de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) do Ministério da Saúde, cuja versão mais atualizada traz estatísticas até o dia 25 de janeiro.

A análise, que considerou óbitos por covid-19 por data de ocorrência, aponta que, dos 1.664 mortos pela doença no Amazonas em janeiro já inseridos no sistema, 331 deles tinham menos de 60 anos e não sofriam de doenças crônicas. O número equivale a 19,9% do total de vítimas do mês e ao dobro do índice médio de 2020.

Em todo o ano passado, foram 5.303 vítimas da covid no Amazonas, das quais 491 (ou 9,2%) não eram idosas nem possuíam comorbidades.

Se comparado ao perfil das vítimas de todo o Brasil, o aumento do índice de mortos sem fatores de risco no Amazonas fica ainda mais evidente. Do total de mortos no País desde o início da pandemia, somente 7,3% deles não eram idosos nem tinham doenças crônicas. Considerando só os dados do mês de janeiro, a taxa de mortos com esse perfil foi de 7,4%.

“A gente vem percebendo esse fenômeno desde meados de dezembro. Hoje, por exemplo, quase todos os meus 14 pacientes da sala de emergência têm entre 40 e 50 anos. Só tem um idoso e outro com hipertensão. Os demais não têm comorbidades”, relatou na semana passada uma médica do Hospital Delphina Aziz, uma das unidades de referência para covid-19 em Manaus. Ela não quis ter seu nome divulgado.

Para especialistas, a principal explicação para o aumento de vítimas mais jovens e saudáveis é o colapso do sistema de saúde amazonense. Eles destacam, no entanto, que se deve considerar um possível impacto da nova variante que circula no Estado. A cepa vem sendo estudada com o objetivo de avaliar se ela é mais transmissível e letal.

“O principal motivo é a superlotação dos hospitais. Quando você não tem capacidade para internar mais pessoas, acaba recebendo os pacientes só quando eles estão com um quadro mais grave, com o pulmão mais comprometido. Não dá para descartar também um eventual papel da variante P.1. Já estamos quase certos de que ela é mais transmissível, mas ainda precisamos de mais análises genômicas e epidemiológicas para saber se ela é mais letal”, disse Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz Amazônia.

Os especialistas destacam o desabastecimento de oxigênio como um dos principais fatores que aumentaram o número de mortes entre pessoas mais jovens e saudáveis.

“A ventilação e o suporte com oxigênio servem para dar um tempo para o pulmão se recuperar. Ela te mantém vivo enquanto seu organismo combate a doença. Se tem algo que interrompe isso, a consequência é desastrosa. Pode até ter gente que morreu durante o colapso que estava muito grave e morreria de qualquer forma mais tarde. Mas certamente, nesse grupo de vítimas, havia pessoas que, se tivessem tido mais tempo no ventilador, iriam se recuperar. Essa situação ceifou delas essa chance”, afirmou o intensivista Ederlon Rezende, integrante do conselho consultivo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) e coordenador do projeto UTIs brasileiras.

Colapso

A rede de saúde do Amazonas sofre com a falta de leitos, pessoal e insumos. No dia 14 de janeiro, o estoque de oxigênio acabou em vários hospitais de Manaus, provocando a morte de pacientes que estavam em ventilação mecânica.

Mesmo com o envio de remessas do produto pelo governo federal e doações de anônimos e famosos, a demanda ainda está acima da capacidade produtiva da empresa fornecedora e a fila de espera por leitos também é grande. De acordo com o último boletim da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, divulgado ontem, 611 pessoas com covid aguardavam por um leito nos hospitais do Estado.

A Secretaria da Saúde do Amazonas já transferiu mais de 300 pacientes para outros Estados. Ontem, o ministério afirmou que enviará mais 90 mil metros cúbicos de oxigênio para o Amazonas nesta semana. O volume, porém, é suficiente somente para um dia de operação dos hospitais da capital.

Falta de comando

O Estadão entrevistou Jesem Orellana, epidemiologista Fiocruz Amazônia. Segundo ele, “o que falta no Brasil é um maestro”. Confira a seguir:

Após o colapso da falta de oxigênio, qual é a situação atual dos hospitais do Amazonas?

Por mais que a questão do oxigênio tenha se estabilizado em alguns hospitais, a situação continua muito grave. Os hospitais estão lotados, as pessoas estão morrendo em casa. Talvez daqui a umas duas ou três semanas, a gente tenha uma queda de internações por causa da quarentena decretada na semana do colapso pelo governo do Estado, mas o que estamos vivendo agora é reflexo das infecções que ocorreram no período de Natal e ano-novo. Por isso, o cenário ainda é preocupante.

Qual é o impacto da nova variante sobre a recente onda de casos no Amazonas?

A gente está quase certo de que essa cepa é mais contagiosa, mas precisamos de estudos mais complexos para nos fornecer informações seguras sobre isso e sobre a letalidade. Isso deve ocorrer só em dois ou três meses.

Outros Estados deveriam decretar uma quarentena mais rígida agora, mesmo sem a confirmação da circulação da nova cepa em seus territórios?

Com certeza. A situação que temos agora já justifica um lockdown, mas é preciso coordenação nacional e medidas de auxílio a autônomos e pequenos empresários para que eles não morram de fome. Se não tiver isso, não adianta fazer lockdown porque a população não vai aderir. O Pará, por exemplo, decretou lockdown, mas Rondônia, vizinho do Amazonas e que está à beira do colapso, não fez o mesmo. O que falta no Brasil é um maestro. Não temos um Ministério da Saúde coordenando. É como ter um time de futebol sem técnico.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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