Pelo segundo ano, a Páscoa do brasileiro terá uma comemoração diferente por causa da pandemia. Para driblar a crise econômica e não deixar de presentear parentes e amigos, algumas famílias decidiram ir para cozinha e colocar a mão na massa. Ou melhor, no chocolate. Foi uma forma que encontraram de demonstrar afeto em um momento tão delicado.
A família da professora Carla Cruz dos Santos, 36, moradora de São Mateus, na zona leste de São Paulo, é exemplo disso. Produzir em casa os ovos de Páscoa para os três filhos, Mariana, 10, Pedro, 6, e Olívia, 3, foi a saída adotada por ela ao ver o preço alto do doce típico no supermercado.
Ela não está sozinha. Segundo levantamento do Google, feito a pedido do F5, as buscas sobre como fazer ovo de Páscoa no YouTube já eram até terça passada (29) três vezes maiores que o registrado em março de 2020, e 48% maiores que os volumes de consultas de abril do ano passado -em 2020, a data foi celebrada no dia 12 de abril.
Produzir o doce não é tarefa das mais simples, porque é preciso uma certa habilidade para conseguir o ponto e a temperatura exata do chocolate. Mesmo diante do desafio, Santos resolveu arriscar. No ano passado, já durante o isolamento, ela fez, com a ajuda dos filhos, um bolo de cenoura no palito. “Tipo, um sorvete de bolo de cenoura.” Deu um trabalhão, mas valeu a pena, diz ela.
“Como o ovo é uma coisa mais séria, cria muito expectativa, eu pensei: ‘Já vou fazer com quem sabe, para não ter erro”, afirma. A consultora da família foi Neusa Aparecida Cruz, 63, sogra de Carla e avó dos pequenos. Cozinheira, ela já tem experiência em fazer ovos artesanais.
Inicialmente, a ideia era reunir as crianças na tarefa, mas Cruz recomendou à nora que não envolvesse os pequenos. Só Mariana, a mais velha, que já faz bolo e quer ser confeiteira, segundo a mãe, participou do processo.
No caso do aposentado Leandro Simões Garcia, 61, de Suzano, na região metropolitana de São Paulo, este já é o segundo ano em que ele faz os ovos de Páscoa para a família. “Eu gosto de cozinhar e sai bem mais em conta que comprar. Além disso, é um gesto carinhoso, gosto de presentear as pessoas com doces.”
Garcia começou a produção cerca de 20 dias antes da Páscoa. Além de fazer ovos para a mulher, os dois filhos e o neto, ele também produziu, com a ajuda de doações dos amigos, 50 ovos de 250 gramas para crianças carentes atendidas em projeto social da Paróquia São Judas Tadeu, do bairro onde mora.
No total, fez 400 bombons (colocados dentro dos ovos). “Não fiz embalagem profissional, fiz com papel de seda colorido. Ficou bonito, e no final, o que manda é o ovo, que é bem gostoso”, garante.
Tiveram também os que apostaram em saídas inovadoras. Já ouviu falar de ovinhos de Páscoa, pintados com canetinha, e com suculentas dentro? Pois foi o que fez o terrarista Roger Evangelista, 48 -terrarista é o nome da pessoa que cria terrários, pequenos jardins cultivados dentro de um vidro e que são autosustentáveis.
A ideia, diz Evangelista, surgiu sem querer, em um domingo que ele estava preocupado com a situação da pandemia no Brasil e com as contas para pagar. A loja de terrários da qual ele é dono em Higienópolis, na região central de São Paulo, está fechada por causa das medidas de restrições contra a transmissão do novo coronavírus.
“Estava em casa, sozinho, meio desesperado, com a cabeça cheia de coisas, e precisava fazer alguma coisa para relaxar”, relata. Para espairecer, ele decidiu pintar a casca de ovos tradicionais, os que vêm da galinha mesmo. “Eu queria uma coisa que me remetesse à infância, porque quando a gente é criança, os problemas não afetam a gente.”
A tática deu certo, e ele decidiu avançar: plantar suculentas dentro dos ovos. “Passei o domingo inteiro fazendo isso, e a semana inteira comendo omelete”, diz, aos risos. “Foi uma terapia, porque me desliguei de todos os meus problemas”, relata.
Evangelista postou o resultado da “brincadeira” em suas redes sociais. A iniciativa virou um sucesso. Seguidores do comerciante gostaram e passaram também a fazer ovinhos de suculentas. “As pessoas começaram a me mandar fotos. Virou uma corrente do bem.” Os ovinhos que ele fez não estão à venda. Dois deles têm destino certo: presentear seus pais.
DOAÇÕES
Como professora da rede pública há dez anos na Chácara Santa Maria, região do Capão Redondo (zona sul de São Paulo), Daniela Plácido, 41, sabe que muitas vezes o único ovo de Páscoa que seus alunos ganham são os que recebem na escola, fruto da mobilização dela e de outros profissionais.
Em 2020, com a pandemia do novo coronavírus e as unidades de ensino fechadas, ela conta que surgiu o temor de não poder levar esse alento aos estudantes. Mas com a união da comunidade e a doação de empresas grandes, a ação até expandiu e foi possível presentear também famílias carentes do entorno.
Neste ano, porém, as doações rarearam e ela conta que, ao lado de outras pessoas e entidades, fez um trabalho de formiguinha, pedindo a colaboração de vizinhos, parentes e amigos, para conseguir manter a iniciativa.
Assim como Daniela, outras pessoas e instituições têm se virado para dar esperança neste momento difícil. Em Mogi das Cruzes (Grande São Paulo), Solange Parada, presidente do Instituto Terra, diz que a organização costumava fazer festas de Páscoa em comunidades carentes.
Desde o início da pandemia, em março do ano passado, isso não foi mais possível. Mas a instituição manteve a mobilização para arrecadar doações e presentear famílias da região com ovos e doces típicos.
“É uma forma de agradar crianças e idosos e dar um pouco de esperança”, diz Parada. Além de ovos de Páscoa, tanto Daniela quanto o Instituto Terra também doam cestas básicas.
Interessados em ajudar, podem entrar em contato com o Instituto Terra no telefone (11) 4726-7296 (funciona também como WhatsApp). Daniela Plácido atua em parceria com organizações como o Missão Capão Redondo (no Instagram @missaocapaoredondo) e o iMOV (@imovoficial).
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