GIULIANA MIRANDA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Popularmente conhecidos como “múmias de dinossauro”, os fósseis que mantêm a pele e outros tecidos moles ainda preservados são considerados raros pela comunidade científica. Um novo trabalho, porém, indica que esses exemplares podem ser mais comuns do que se acreditava.
Um time de paleontólogos dos Estados Unidos desafiou o principal conceito que garantiria a excepcionalidade das “múmias”: o de que elas só se formavam sob condições muito específicas, quando o corpo dos bichos mortos era rapidamente enterrado e protegido do contato com outros animais.
A partir da análise detalhada de um desses fósseis, os cientistas identificaram que há uma rota alternativa –e bem mais fácil– para a preservação da pele fossilizada.
Os pesquisadores investigaram a “múmia” de um Edmontosaurus (gênero que podia atingir nove toneladas), batizado como Dakota em homenagem à região onde foi encontrado, o estado de Dakota do Norte, no centro-oeste dos EUA.
Foram identificadas marcas de dentes na pele da cauda e da pata do dinossauro. Não havia sinais de cicatrização no tecido, o que indica que as mordidas provavelmente foram feitas por animais carniceiros.
Pelas características das marcas dentais, acredita-se que elas tenham sido provocadas por pelo menos dois animais distintos, sendo um deles um tipo de crocodilo pré-histórico.
O fato de a carne do dinossauro ter servido como alimento para carniceiros indica que o material ficou exposto ao ambiente por algum tempo, não tendo havido, portanto, um enterro rápido. Contrariando as principais teorias de formação de múmias de dinossauros, parte da pele de Dakota foi fossilizada mesmo com a exposição prolongada ao ambiente.
“Pelas explicações anteriores para a preservação de ‘múmias’ de dinossauros, esse fóssil nunca deveria ter se formado”, evidencia o artigo, liderado por Stephanie K. Drumheller, da Universidade do Tennessee.
A partir de uma sequência de análises no fóssil de Dakota, os cientistas chegaram a outra hipótese para a conservação.
De acordo com o trabalho, os buracos das mordidas na carcaça do dinossauro “forneceram uma rota de escape para os gases, fluidos e micróbios associados à decomposição”. Isso acabou permitindo que tecidos moles mais duráveis conseguissem resistir durante as semanas ou meses necessários até atingirem o estado de secura extremo que precedeu o enterro e a fossilização do material.
O processo descrito pelos pesquisadores é frequentemente visto também em animais modernos, que têm a carcaça “esvaziada” à medida que carniceiros e organismos decompositores atacam os tecidos internos, deixando apenas a pele e os ossos.
Essas observações ajudaram a reforçar a hipótese apresentada no artigo, publicado na última quarta (12) na revista científica PLoS One.
Na avaliação dos paleontólogos, provavelmente existem vários caminhos para a formação de “múmias de dinossauros”, e a melhor compreensão desses mecanismos ajudaria a ampliar a interpretação da vida pré-histórica.
Professor da URCA (Universidade Regional do Cariri) e curador do Museu do Cariri, no Ceará, o paleontólogo Renan Bantim considera que o processo descrito pelos americanos é realmente inovador.
“Esta descoberta traz à tona a possibilidade de reavaliação da preservação destas e de outras estruturas orgânicas, como órgãos, fibras musculares e vasos sanguíneos, possibilitando que até mesmo novas descobertas possam ser reveladas em fósseis já conhecidos”, afirma.
Segundo Bantim, o trabalho poderia ter impactos também no estudo dos abundantes fósseis da região da Bacia do Araripe, no Nordeste do Brasil, onde, desde 1996, já se sabe que há tecidos orgânicos preservados.
“Diversas análises em busca de partes moles fossilizadas foram realizadas em fósseis de pterossauros, crocodilos, tartarugas, anfíbios e peixes da Formação Romualdo, sendo a descoberta mais recente associada à preservação do coração fossilizado do peixe Rhacolepis buccalis”, enumera.
“Sendo assim, após a descoberta da preservação da pele do dinossauro Edmontosaurus, é necessário se atentar para a ocorrência do mesmo tipo de fossilização no Brasil, especialmente nos encontrados na bacia do Araripe”, completa.
O especialista brasileiro chama atenção também para o ineditismo das marcas identificadas. “Pela primeira vez, em estudos de tecidos moles de animais fossilizados, é evidenciada a presença de marcas de animais carniceiros na pele de um dinossauro devido à ação de alimentação da carcaça por crocodilos e insetos.”
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